A Tendência Mundial do Trabalho Nômade Digital e a Estratégia do Canadá
O nomadismo digital não é apenas uma tendência passageira, mas uma nova forma de encarar o trabalho
Por Allessandra Cintra | 11 de fevereiro de 2025
Cerca de 40 milhões de pessoas em todo o mundo se identificam como nômades digitais – aqueles profissionais que carregam o ‘escritório digital’ dentro da mala e que precisam apenas de um dispositivo conectado à internet para ter o mundo a seus pés. Com maior flexibilidade para o trabalho, eles redefinem o antigo e tradicional modelo de executar tarefas que antes era restrito a quatro paredes.
O trabalho nômade digital quebra as barreiras geográficas e faz do profissional da tecnologia da informação um cidadão do mundo.
Você já imaginou trabalhar em uma praia paradisíaca, em um café charmoso em Paris ou até mesmo em uma floresta exuberante? Essa realidade, antes inimaginável, está se tornando cada vez mais comum graças ao nomadismo digital. Essa nova modalidade de trabalho tem se consolidado como uma tendência crescente, impulsionado pelo avanço das tecnologias de comunicação e que ganhou ainda mais fôlego durante a pandemia da COVID-19. Atualmente, cerca de 40 milhões de pessoas em todo o mundo se identificam como nômades digitais, um fenômeno que redefine o conceito de trabalho e cria novas oportunidades e desafios tanto para trabalhadores quanto para empresas e governos.
No entanto, o trabalho do nômade digital se baseia em uma jornada que não é livre de desafios. Esse tipo de atividade requer a necessidade de organização, meios de combater a solidão e a necessidade, muitas vezes, de adaptação a diferentes culturas e fusos horários. Essa nova tendência em escala global permite que o profissional adote um estilo de vida ‘pé na estrada’ ao viajar pelo mundo e explorar diferentes lugares e culturas enquanto gera renda online. A crescente demanda pela mobilidade de potenciais empregados virtuais levou diversos países a implementar vistos específicos para nômades digitais, facilitando a permanência e o trabalho desses profissionais.
Brasil e Portugal: Regulamentações
No Brasil, a regulamentação do visto para nômades digitais, estabelecida em 2021, representa um esforço para atrair profissionais qualificados e investimentos externos. A nova legislação permite uma residência temporária por um ano, com possibilidade de renovação. Para isso é exigido que os solicitantes comprovem uma renda mensal mínima de US$ 1.500 ou tenham fundos bancários de pelo menos US$ 18 mil. Especialistas em imigração consideram essa medida um passo importante para o país, promovendo um modelo de trabalho moderno que pode dinamizar a economia local e criar novas oportunidades de negócios. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em novembro de 2020 havia 7,3 milhões de brasileiros trabalhando remotamente.
Nômade digital, viajante do mundo. Carlos Darcie ao lado da esposa e dos filhos na Itália: a liberdade de poder trabalhar de qualquer lugar do mundo.
Portugal é um dos destinos mais populares para nômades digitais, exigindo que os solicitantes de visto comprovem uma renda mínima de quatro salários mínimos do país. Um estudo do “Executive Nomad Index” da Savills, publicado em agosto deste ano, revelou que Lisboa ocupa a quinta posição no ranking mundial de destinos para nômades digitais em 2024. A cidade é elogiada por sua qualidade de vida, clima ameno, conectividade e infraestrutura moderna. Dubai e Abu Dhabi lideram o ranking, atraindo tanto jovens quanto executivos mais experientes que buscam um equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
A Estratégia do Canadá
Em resposta a essa tendência global, o governo canadense lançou uma estratégia em junho de 2023 para promover a entrada de nômades digitais no país, explorando a interação entre esses trabalhadores altamente qualificados e empregadores locais. Os nômades digitais podem trabalhar no Canadá com visto de turistas por até seis meses, seja para si próprios ou para empregadores fora do país. O Departamento de Imigração Canadense também estuda expandir esse período. Um relatório do Instituto McGill aponta que mais de 11% da população canadense vive no exterior, sugerindo que uma parcela considerável desse grupo pode ser classificada como nômades digitais.
Flexibilidade e Qualidade de Vida
A busca por um estilo de vida mais flexível tem levado muitos profissionais a trabalhar remotamente em países como Japão, Itália, Portugal e Barbados, atraídos por custos de vida mais acessíveis. Foi o caso do Motion Graphics Designer, Carlos Darcie, de 38 anos, que em 2023 teve a experiencia da flexibilidade do trabalho remoto ao viajar com a esposa e os filhos por sete meses pela Europa (Itália, Inglaterra, Escócia e País de Gales), além de morar três meses no Brasil antes de retornar ao Canadá.
O trabalhador digital nômade, Carlos Darcie, posa para selfie com a esposa e filhos em Castelamare del Golfo, na Itália. “Gosto muito de trabalhar na Itália”.
Para Carlos Darcie, a liberdade de trabalhar de qualquer lugar do mundo é um dos grandes atrativos do trabalho remoto. “Gostei muito de trabalhar no Sul da Itália, destacando Sicília e Calábria, com um clima agradável, praias bonitas e um custo de vida relativamente baixo em relação ao Canada”, revela Carlos. Apesar dos desafios que podem surgir ao trabalhar de diferentes fusos horários, ele destaca que, em sua experiência, não enfrentou grandes obstáculos. “Na maioria das vezes, eu preferia trabalhar no horário de Toronto, pois assim conseguia me organizar melhor e ainda tinha as manhãs livres para aproveitar com a família”, conta.
Trabalho Remoto, Família e Autodisciplina
Nesse contexto familiar, Carlos Darcie também compartilha que conciliar a rotina de trabalho em home office na companhia da esposa e dos filhos é uma experiência gratificante. “Poder trabalhar ao lado da minha familia, participar ativamente da rotina e das refeições em conjunto é algo inestimável”, diz. Ao oferecer conselhos para quem deseja abraçar o trabalho remoto, ele enfatiza a importância da autodisciplina, citando que as distrações são muitas. Para ser produtivo no trabalho remoto, o profissional recomenda estabelecer uma rotina bem definida, mantendo – ao mesmo tempo, a flexibilidade para adaptá-la conforme necessário. “A rápida adaptação a uma nova rotina é um dos segredos para o sucesso do trabalho remoto”, conclui.
Theo Patrizzi, de 35 anos, IT Senior Manager de uma empresa brasileira há cinco anos, também vivenciou as transformações no ambiente profissional com a ascensão do modelo de trabalho remoto. “Desde a pandemia, nossa prática se tornou 100% remota, permitindo grande flexibilidade”, explica. Ele já utilizou essa liberdade para passar 45 dias com o irmão no Canadá e também para reduzir custos de viagem, adaptando-se aos períodos de baixa demanda.
Theo Patrizi experimentando o gostinho de trabalhar longe de casa, mas atento às distrações para não comprometer a qualidade do trabalho.
Apesar das vantagens, o trabalho nômade apresenta desafios, especialmente relacionados ao fuso horário e à necessidade de manter o foco. “Precisamos seguir o horário do Brasil na maioria das vezes. Isso requer disciplina para evitar distrações que podem impactar nossas entregas”, ressalta Patrizi. Para aqueles que desejam adotar esse estilo de vida, ele recomenda uma comunicação excessiva com a equipe, combinando horários de trabalho claros e tendo sempre um plano B para imprevistos, como quedas de energia ou falhas na internet.
Impacto na Economia Local e Global
Em uma análise mais ampla, Patrizi vê o trabalho nômade como um fator que impacta tanto a economia local quanto a global, fatores que – segundo ele, impulsionam o turismo e a globalização do mercado de trabalho. “Setores como tecnologia, marketing digital, educação e turismo têm se beneficiado com a presença dos nômades digitais, tornando-se mais inovadores e competitivos”, afirma.
Para garantir a produtividade durante as viagens, Patrizi sugere o uso de ferramentas de organização e comunicação, além de uma rotina diária consistente. “A tecnologia pode ser uma grande aliada, mas é vital que os nômades digitais estejam atentos aos aspectos legais e tributários de trabalhar em diferentes países”, conclui ele, enfatizando a importância de estar bem preparado para essa nova era do trabalho.
Theo Patrizi, na foto em Halifax com a esposa, já aproveitou a flexibilidade e liberdade do trabalho remoto para curtir uma temporada no Canadá, onde mora o irmão.
A Evolução e o Futuro dos Nômades Digitais
O perfil dos nômades digitais está em transformação. A ideia tradicional de um jovem viajante com uma mochila dá lugar a executivos mais experientes, que muitas vezes viajam com suas famílias, em busca de segurança, acesso a serviços de saúde e educação, e um ambiente propício para o trabalho e lazer. Com a crescente aceitação do trabalho remoto, as empresas também estão se adaptando, oferecendo flexibilidade e recursos para que seus funcionários possam trabalhar de qualquer lugar do mundo.
O nomadismo digital não é apenas uma tendência passageira, mas uma nova forma de encarar o trabalho, que pode trazer benefícios significativos tanto para os indivíduos quanto para as economias locais que se tornam os novos lares temporários desses trabalhadores globais. À medida que essa realidade se torna cada vez mais comum, a regulamentação adequada e a criação de programas de apoio são essenciais para atender às necessidades dessa nova força de trabalho.
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