Guerra Comercial entre EUA e Canadá Abre Oportunidades para Brasil e Portugal no Mercado Canadense
Tarifaço de Trump: vitrine de negócios no Canadá para Brasil e Portugal
Como o Canadá se tornou o refúgio estratégico para empresas luso-brasileiras em tempos de guerra comercial e se consolida como destino estratégico para inovação, negócios e internacionalização, resultando num território fértil para imigrantes por meio das startups e parcerias na área de tecnologia.
Por Jandy Sales | 16 de setembro de 2025
O jogo de dominó da política tarifária imposta ao mundo mexeu com o orgulho canadense e abriu novas perspectivas para as importações brasileiras e portuguesas. Imagem: Markus Winkler
A política tarifária adotada pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconfigurou significativamente o mapa do comércio internacional. De acordo com a OCDE, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, as tarifas de 50% sobre o aço brasileiro impostas por Donald Trump entraram em vigor, transformando o Brasil – segundo maior fornecedor do metal aos EUA – em alvo do maior terremoto comercial desde os anos 1930.
As medidas do governo americano chacoalharam a economia dos trópicos. A prova foram os caminhões parados no porto de Santos, um testemunho dos cancelamentos de pedidos. Já a OCDE alertou a comunidade econômica internacional: o crescimento global cairá de 2,5% para 1,6% em 2025, com EUA, Canadá e México entre os mais impactados.
Ao impor medidas protecionistas e tarifas elevadas sobre uma gama de produtos importados, especialmente os oriundos da China, Trump acionou o botão de uma série de tensões globais que não pouparam nem mesmo os parceiros “amigos e históricos” dos EUA, como o Canadá. O tarifaço de Trump foi um balde de água fria nas relações econômicas entre os dois países.
A imposição tarifária americana gerou um fenômeno batizado por muitos economistas de “boicote emocional canadense”. A autodeclaração de amor do país da maple leaf refletiu na rejeição a produtos Made in USA pelos consumidores, varejistas e empreendedores no Canadá.
Esse ambiente nevrálgico da economia mundial tem favorecido o surgimento de novas conexões comerciais, especialmente com países de língua portuguesa, como Brasil e Portugal. Passaram a surgirem oportunidades inéditas para startups, pequenas empresas e setores tradicionais como o agronegócio.
Uma das empresas que representa essa nova dinâmica é a Quiper Canada. Trata-se de uma startup com DNA brasileiro e canadense focada em soluções sustentáveis para o setor agroalimentar. A empresa se dedica hoje ao desenvolvimento de tecnologias para conservação de frutas e vegetais. Sob a liderança de Márcio Moreno, cofundador da empresa, a Quiper tem conquistado espaço e atenção em um dos mercados mais exigentes e sustentáveis do mundo.
De Porto Alegre a Toronto via inovação
O gaúcho Márcio Moreno acumula mais de duas décadas de experiência em comércio exterior. A trajetória dele é marcada pelo conhecimento em diferentes setores industriais brasileiros, e a sua carreira ganhou novos contornos a partir de 2013. Foi quando Moreno passou a atuar na área de consultoria para negócios internacionais. Com mestrado na área e uma carreira acadêmica consolidada como coordenador do curso de Comércio Exterior da PUC (RS), ele viu sua atuação dar um salto quando, em 2019, conheceu Fernanda Knebel, fundadora da Quiper.
O cofundador da Quiper Canadá e coordenador do curso de Comércio Exterior da PUC (RS), Márcio Moreno.
“A Quiper começou com foco na preservação de frutas no varejo. Mas vimos potencial para atuar também no pós-colheita, especialmente no Brasil, que é o terceiro maior produtor de frutas do mundo”, disse Moreno. Assim nasceu a Quiper Agro, instalada no parque tecnológico Tecnopuc, em Porto Alegre.
O passo seguinte foi a internacionalização. Em 2023, a Quiper inaugurou sua unidade canadense, com sede em Toronto, onde está desenvolvendo um produto inovador para ser usado diretamente nas gôndolas dos supermercados, que será uma base biodegradável que absorverá gases liberados pelas frutas, reduzindo seu metabolismo e prolongando sua vida útil — tanto nas prateleiras quanto na casa dos consumidores.
“No Canadá, as frutas percorrem grandes distâncias antes de chegarem ao varejo. Isso torna nosso produto ainda mais relevante. Se no Brasil uma fruta chega ao supermercado em cinco dias, aqui ela pode ter sido colhida há 30”, explicou ele.
Canadá: porto seguro para inovação e negócios
A escolha do Canadá como plataforma de expansão não foi por acaso. O país tem se destacado por sua abertura a negócios internacionais, sobretudo no setor agroalimentar. A Quiper é atualmente parceira da Western University e do Mitacs, organização vinculada ao governo canadense que financia pesquisas aplicadas e colaborações entre universidades e empresas. “A receptividade foi impressionante. Ainda antes de abrirmos oficialmente a empresa, já estávamos em conversas com profissionais de tecnologia e com apoio de instituições públicas”, afirmou Moreno em entrevista por telefone.
Márcio Moreno tem participado de feiras ligadas à tecnologia no agronegócio e uma das mais recentes foi em Montreal.
O ambiente favorável contrasta fortemente com a realidade brasileira. “No Brasil, o processo de registro de um produto pode demorar anos. No Canadá, embora exija comprovação científica robusta da eficácia do produto, o sistema é mais objetivo, funcional e incentivador”, analisou.
Entre a diplomacia e o pragmatismo
Embora os atritos comerciais entre Canadá e Estados Unidos estejam mais amenos hoje do que durante o auge da presidência Trump, os reflexos do “tarifaço” ainda são sentidos em muitas áreas. Empresas canadenses têm buscado alternativas a fornecedores e parceiros americanos, e produtos rotulados americanos nem sempre desfrutam a aceitação automática de outrora.
Esse contexto cria uma janela de oportunidade estratégica para empreendedores de países como Brasil e Portugal. “Um produto desenvolvido no Canadá tem alta credibilidade e pode acessar mercados como Europa e Ásia com maior facilidade”, ressaltou Moreno. Ele acredita que, em médio prazo, as tensões comerciais entre os EUA e o Canadá tendem a se reequilibrar, mas o momento atual é ideal para fincar raízes em solo canadense.
A Quiper Canada lançará em 2025 produto tecnológico inovador para dar mais vida útil a frutas e verduras nas prateleiras e nos lares dos consumidores. Foto: Steve Buissinne
A força da diáspora: brasileiros e portugueses como elo
A participação de imigrantes brasileiros e portugueses nesse novo cenário econômico e cultural é significativa. São eles que, muitas vezes, servem de ponte entre os países, trazendo conhecimento local, rede de contatos e entendimento das especificidades culturais de cada região.
Moreno destacou a importância de contar com consultoria local para acessar os incentivos do governo canadense. “Existem programas de reembolso de investimentos em tecnologia que só descobrimos graças à assessoria de especialistas. Isso pode fazer uma grande diferença no fluxo de caixa e na viabilidade de projetos”, orientou.
Um futuro sustentável e conectado
Com o lançamento oficial do novo produto previsto para o final de 2025, de acordo com Moreno, a Quiper se prepara para uma fase de grande importância para o sucesso do produto: os testes em lojas canadenses. “Queremos algo que vá além da preservação. O objetivo é desenvolver uma solução reutilizável, biodegradável e sem resíduos plásticos”, disse ele, reforçando o compromisso com a sustentabilidade — um valor essencial para o consumidor canadense.
Pontes Binacionais
O tarifaço do governo Trump fortalece a parceria nos negócios do Canadá com países como Portugal. O Brasil também sai fortalecido nessa guerra das tarifas. Imagem: Sofia Morgado
Se as medidas adotadas pelo governo Trump sacudiu o mundo dos negócios, a confiança e a ética passaram a pesar mais forte ainda nas relações comerciais. Isso faz com que as conexões entre Brasil, Portugal e Canadá se tornem uma alternativa sólida e promissora para quem busca mais do que apenas oportunidades econômicas, mas, sim, impacto, legado e resiliência. Em meio esse novo desafio, a CEO do Canada Starthub e cofundadora do AI Learning Lab, Raquel Boechat vê no Canadá um “porto seguro estratégico”. De acordo com ela, o “Canadá é mais do que uma alternativa: é uma plataforma estratégica. Com uma economia integrada à dos Estados Unidos, mas com uma abordagem mais aberta à inovação e à diversidade.”
Raquel Boechat é também integrante do conselho diretor da Brazil-Canada Chamber of Commerce (BCCC), onde co-preside o Comitê de Inovação, Ciência e Tecnologia. Com mais de 3.000 líderes e 60 pequenas e médias empresas (PMEs) brasileiras assessoradas em processos de internacionalização, Raquel é hoje uma das vozes mais influentes no fortalecimento de laços entre Brasil, Portugal e Canadá. Ele detalhou para a Revista DISCOVER por que startups, agrotechs e PMEs luso-brasileiras estão migrando para o ecossistema canadense.
O Canadá como palco de inovação global
“O Canadá tem se posicionado como uma potência em inovação e inteligência artificial, sendo um dos países pioneiros em pesquisas e políticas públicas voltadas à aplicação de tecnologias emergentes”, afirmou Raquel Boechat em entrevista por e-mail. A declaração dela se baseia em bons motivos: o país abriga hubs tecnológicos de renome mundial, como Toronto, Vancouver e Montreal, e investe pesadamente em pesquisa aplicada por meio de programas como Mitacs e SR&ED (Scientific Research and Experimental Development).
Raquel Boechat é uma voz ativa e influente quando o assunto é o fortalecimento de laços entre Brasil, Portugal e Canadá. “Onde Trump ergue muros, nós tecemos redes”. Missão BCCC.
Mais do que tecnologia, o Canadá oferece estabilidade política, multiculturalismo e acesso preferencial a mais de 1,5 bilhão de consumidores via tratados comerciais estratégicos, como o CUSMA (com EUA e México) e o CETA (com a União Europeia). “Com as recentes medidas protecionistas dos EUA, o Canadá se apresenta como uma alternativa acolhedora e progressista”, completa.
PMEs e startups em expansão
A atuação de Raquel à frente do Canada Starthub e do AI Learning Lab mostra, na prática, como o Canadá tem funcionado como trampolim para empreendedores com ambições globais. “Só em 2024 estive três vezes no Brasil liderando missões com a Brazil-Canada Chamber of Commerce, organizando encontros com representantes dos dois países – incluindo embaixadores, consulados, instituições de fomento e câmaras de comércio. Esses encontros não foram apenas institucionais, mas sim geradores de negócios, acordos de cooperação e projetos em construção com impacto direto nos ecossistemas dos dois lados”, relatou.
Startups brasileiras têm encontrado terreno fértil para expandir soluções nas áreas da tecnologia agrícola (agrotech), da saúde (healthtech), tecnologia limpa (cleantech) e Inteligência Artificial, além de aproveitar, o acesso facilitado a universidades e o ambiente regulatório mais previsível. E a diversidade local também joga a favor: “O Canadá é um país que fala mais de 200 idiomas, reflexo direto de sua diversidade. Isso exige sensibilidade cultural, inteligência relacional e capacidade de articular bem sua trajetória e qualificações — o que eu chamo de “tatuagens de reputação” que trazemos de outros mercados’”, explicou Raquel, referindo-se à credibilidade e aos resultados que os empreendedores trazem de seus países de origem.
Mulheres líderes, protagonistas da mudança
A pauta da equidade de gênero também é destaque no mundo globalizado e alvo de pressões protecionistas. Raquel destacou que o Canadá incentiva o empreendedorismo feminino e que há um número crescente de líderes brasileiras buscando protagonismo no país. “O país se diferencia por apoiar empreendedoras, fomentar a equidade, e acolher negócios com propósito global, características que vêm atraindo cada vez mais líderes brasileiros — especialmente mulheres — em busca de novos espaços de protagonismo.”
Ela reconhece, no entanto, que no caldeirão multicultural canadense, “outro desafio importante é o enfrentado por mulheres empreendedoras, que ainda lidam com vieses e precisam se posicionar com assertividade em ambientes muitas vezes desafiadores.”
A visão portuguesa no Canadá
Raquel também observa um movimento ascendente por parte de empreendedores portugueses. “Empreendedores portugueses vêm ampliando sua presença no Canadá, especialmente após a entrada em vigor do acordo CETA, que facilita o comércio e investimento entre Canadá e União Europeia. A relação é historicamente próxima, com uma das maiores comunidades portuguesas fora da Europa.”
Se os brasileiros costumam iniciar a jornada canadense por meio de programas como o Startup Visa, aceleradoras e câmaras de comércio, os portugueses tendem a se apoiar em mecanismos institucionais e tratados bilaterais de comércio. “Mas ambos veem o Canadá como um hub multicultural e inovador para negócios com ambição global”, disse ela.
Canadá: alternativa ou trampolim?
Para Raquel Boechat “o Canadá é mais do que uma alternativa: é uma plataforma estratégica.” Segundo ela, a economia canadense é altamente integrada à americana, mas opera com mais abertura à inovação, políticas públicas pró-empreendedor e um tecido social mais receptivo à diversidade. “O país permite que empresas brasileiras validem seus modelos de negócio, acessem financiamento, façam parcerias locais e entrem no mercado norte-americano com mais preparo e menos risco.”
Por isso, para muitas empresas brasileiras, entrar primeiro pelo Canadá significa testar, adaptar e consolidar um modelo de negócio antes de escalar para o vizinho do sul. É uma estratégia de mitigação de riscos e ampliação de oportunidades.
“O Canadá é mais do que uma alternativa: é uma plataforma estratégica”, afirmou Raquel Boechat ao fazer referência ao Canadá como país aberto à inovação e à diversidade nos negócios. Canada-Starthub (2022).
Conhecimento como ativo estratégico
De acordo com Raquel Boechat, o Brasil está entre os dez principais parceiros comerciais do Canadá, e diante de um cenário global cada vez mais instável, torna-se fundamental fortalecer pontes de colaboração ao invés de levantar barreiras. “Brasil e Canadá são líderes em áreas essenciais como agrotech, healthtech e Inteligência Artificial”, disse.
Diante desse cenário promissor, Raquel aposta na disseminação de conhecimento como motor da internacionalização bem-sucedida. “No AI Learning Lab oferecemos workshops e conteúdos de IA para câmaras, associações setoriais e empresas. Muitas PMEs não teriam acesso a esse tipo de formação se não fosse por meio dessas parcerias binacionais.”
Segundo ela, capacitar lideranças e equipes com conteúdos atualizados é vital para a competitividade em um mercado em constante transformação.
Programas e incentivos: o que o Canadá oferece
Raquel lista três iniciativas que merecem destaque. Entre eles, estão: Startup Visa, que é voltado a fundadores inovadores que desejam estabelecer sede no Canadá e escalar globalmente, o CanExport, uma linha de financiamento para internacionalização e entrada em novos mercados e o Mitacs e SR&ED, que são programas que apoiam a pesquisa, o desenvolvimento experimental e parcerias com universidades. “Esses programas mostram que o Canadá não só acolhe, mas investe no sucesso de empreendedores internacionais”, afirmou.
Protecionismo americano: um novo eixo global
No contexto de incertezas provocadas pelo retorno do protecionismo americano, o Canadá se posiciona como o centro de uma nova arquitetura econômica baseada em colaboração, ciência e diversidade. Empresários brasileiros e portugueses atentos a essa transformação têm nas mãos uma rara oportunidade: construir negócios mais resilientes, éticos e sustentáveis — e fazer isso a partir de um dos países mais inovadores e confiáveis do mundo. “Empresas que se preparam com clareza de propósito e conhecem o ecossistema canadense encontram aqui um parceiro aberto, estável e pronto para crescer junto”, disse Raquel Boechat.
Inteligência Artificial e as empresas luso-brasileiras em tempos de protecionismo econômico
Fernanda Ave: estrategista de marketing, educadora e empreendedora com mais de 15 anos de experiência no apoio a startups e pequenas empresas.
O terremoto tarifário do presidente Trump aplicado em março este ano continua a impactar o mundo e reatar o ecossistema dos negócios abrindo novos caminhos pelo terreno da tecnologia, por exemplo. A Revista DISCOVER desbravou esse cenário e lança luz no ecossistema da inovação e internacionalização entre Brasil e Canadá. Quem nos conduz no caminho desse universo high-tech é Fernanda Ave (confira na entrevista abaixo). Ela é estrategista de marketing, educadora e empreendedora com mais de 15 anos de experiência no apoio a startups e pequenas empresas.
Radicada há uma década em Vancouver, no Canadá, ela é fundadora da AI Learning Lab, CMO do I2A2, instituto referência no ensino de inteligência artificial no Brasil, e professora de marketing na University Canada West e no Douglas College. Com uma visão focada na interseção entre tecnologia emergente e comportamento humano, Fernanda defende que a inteligência artificial (IA) pode ser uma das ferramentas mais poderosas para que profissionais e empresas luso-brasileiras se posicionem com competitividade em mercados internacionais — desde que saibam como aplicá-la de forma prática e estratégica.
Revista DISCOVER: Como surgiu a AI Learning Lab e de que maneira a iniciativa responde à demanda crescente por capacitação em inteligência artificial no mercado canadense e brasileiro?
Fernanda Ave: A AI Learning Lab nasceu da percepção de que existia uma lacuna importante no mercado de capacitação em inteligência artificial. A maior parte dos cursos disponíveis é voltada para perfis muito técnicos como engenheiros ou cientistas de dados, enquanto profissionais de áreas como marketing, vendas, operações ou gestão, que também serão diretamente impactados pela IA, ficavam desassistidos. Focamos em treinamentos práticos e acessíveis para profissionais que precisam aplicar IA em suas atividades diárias, sem a necessidade de se tornarem programadores. Em vez de atender diretamente ao público final, estabelecemos parcerias estratégicas com câmaras de comércio, associações empresariais e universidades. Essas instituições que já possuem acesso direto aos profissionais e empresas em busca de atualização. Como a tecnologia de IA evolui rapidamente, garantimos que nosso conteúdo seja desenvolvido por especialistas que dominam tanto os aspectos técnicos quanto as aplicações práticas no mundo dos negócios. Este é o nosso diferencial.
Segundo Fernanda Ave, empresas brasileiras e portuguesas podem se destacarem no mercado canadense de IA. Imagem: Tumisu/Pixabay
RD: Como a IA aplicada a negócios pode ajudar empresas brasileiras e portuguesas a se destacarem no mercado canadense diante de um cenário internacional mais competitivo e, por vezes, protecionista?
FA: A IA pode ajudar em várias frentes. Primeiro, ela dá uma leitura mais precisa do mercado local, desde comportamento do consumidor até tendências culturais, o que é essencial para empresas estrangeiras se adaptarem melhor ao Canadá. Depois, tem a parte de eficiência: IA ajuda na previsão de demanda, automação de tarefas, organização da cadeia de suprimentos. Tudo isso reduz custos e aumenta a agilidade, o que é uma vantagem enorme num mercado competitivo. Também fortalece o relacionamento com o cliente. Com IA, é possível personalizar comunicações, entender melhor o consumidor e construir um vínculo mais forte. Empresas brasileiras e portuguesas têm uma oportunidade única de se destacar neste cenário, considerando que a adoção de IA no Canadá ainda é pequena para moderada. Segundo o Statistics Canada, no primeiro trimestre de 2024, apenas 6,1% das empresas canadenses utilizavam IA para produzir bens e entregar serviços, enquanto quase 3 em 4 empresas Canadenses (72.7%) ainda não tinham considerado o uso de IA Generativa nos negócios.
RD: De que forma a colaboração com associações, câmaras de comércio e empresas de treinamento contribui para a construção de um ecossistema de inovação e capacitação entre Brasil e Canadá?
FA: Essas organizações são fundamentais porque elas já estão em contato direto com as pequenas e médias empresas que são as que mais precisam de apoio para inovar, mas normalmente têm menos tempo, estrutura e recursos. Quando uma câmara de comércio ou associação empresarial oferece um curso de IA, ela está ajudando essas empresas a se manterem atualizadas, sem exigir que elas façam esse esforço sozinhas. E quando conectamos essas organizações entre o Brasil e o Canadá, abrimos espaço também para que essas empresas troquem experiências, encontrem novas oportunidades e até façam negócios entre si. É assim que se constrói um ecossistema: com conhecimento acessível, conexões estratégicas e colaboração real.
RD: Que tipo de profissional ou empresa tem buscado mais a capacitação em IA hoje no Canadá? Há um perfil mais comum entre os imigrantes brasileiros ou portugueses que buscam esse diferencial competitivo?
FA: Empresas de grande porte estão, sem dúvida, investindo mais em treinamento de IA para seus colaboradores. Já as médias e pequenas ainda estão tentando entender como usar IA na prática e de que forma essa tecnologia pode realmente agregar valor ao negócio. Entre os setores, vejo um movimento forte das empresas de serviços financeiros apostando pesado em IA. Também trabalho bastante com times de marketing que estão buscando capacitar suas equipes para não ficarem para trás. Sobre o perfil de imigrantes brasileiros ou portugueses: não vejo um padrão específico. O que percebo é que, no geral, imigrantes têm mais disposição para correr riscos do que canadenses nativos e costumam tomar mais iniciativa. Buscamos diferenciais competitivos para garantir novas oportunidades, até porque, normalmente, não temos uma rede familiar aqui no Canadá.
“A IA pode ajudar as empresas a enfrentarem incertezas econômicas com mais segurança”, afirmou Fernanda Ave.
RD: Você acredita que a IA pode ser uma ferramenta estratégica para mitigar riscos econômicos e fortalecer a inserção de empresas luso-brasileiras em cadeias globais de valor?
FA: Sem dúvida. A IA pode ajudar as empresas a enfrentarem incertezas econômicas com mais segurança. Ela traz previsibilidade, melhora processos e dá suporte para decisões mais inteligentes desde a gestão do estoque até a entrada em novos mercados. O acesso a infraestrutura tecnológica, como GPUs e servidores, ainda é caro para muitas empresas brasileiras. Além disso, um desafio crítico frequentemente negligenciado é a falta de uma estratégia de dados nas organizações. A IA só consegue entregar resultados de qualidade quando alimentada com dados bem estruturados e relevantes. Sem uma base de dados sólida, organizada e relevante, mesmo os algoritmos mais avançados ficam comprometidos. Usar IA sem preparo pode gerar riscos como decisões enviesadas ou dependência de ferramentas externas.
RD: O que ainda falta para que o tema da inteligência artificial aplicada a negócios seja mais compreendido e valorizado entre pequenos e médios empreendedores da comunidade luso-brasileira no Canadá?
FA: Falta desmistificar. Muita gente ainda acha que a IA é só mais uma moda como foi com NFT (o Non-Fungible Token é um certificado digital não replicável que funciona como chave digital para proteção de um documento financeiro ou até mesmo uma obra de arte). Mas a IA já está sendo usada no dia a dia das empresas: para automatizar processos, atender melhor o cliente, vender mais. O grande desafio hoje é a complexidade desnecessária no discurso sobre IA. Recentemente, vi um vídeo no TikTok afirmando que “agentes de IA já eram passado” e que agora o foco seria “MCP – Protocolo de Modelo de Contexto“. Esse tipo de conteúdo, além de equivocado, desanima quem ainda nem começou a entender o básico, criando uma falsa impressão de que já é tarde demais para se adaptar. A realidade é bem diferente: os números mostram que estamos apenas no início da adoção de IA nas empresas. O mercado está repleto de “especialistas” compartilhando informações confusas ou incorretas, deixando as pessoas sobrecarregadas e confusas. É essencial que tenhamos fontes confiáveis de informação que traduzam essas tecnologias para a linguagem do dia a dia. Muita gente ainda acha que IA é só pra grandes empresas e não é. Nosso papel é justamente mostrar que dá pra começar pequeno, com ferramentas simples, e que isso já pode gerar um impacto real. Precisamos simplificar o acesso e a informação, trazer a IA para o contexto cotidiano das pessoas e empresas.
RD: Com a recente retomada de políticas protecionistas nos Estados Unidos – como as tarifas sobre produtos importados – de que forma empresas como a AI Learning Lab enxergam essas mudanças?
FA: Muitas empresas vinham para o Canadá com o objetivo de se aproximar ou entrar no mercado americano, já que o país tinha uma política de imigração melhor do que os EUA. Com o novo cenário, isso pode deixar de fazer sentido, e o Canadá precisa se mover rápido para abrir portas para novos mercados e não perder essas empresas. As tarifas comerciais atuais ainda são muito focadas em produtos físicos, o que facilita para empresas de venda de software. Porém, as tarifas que o Canadá está impondo como uma resposta vão encarecer o acesso a hardware que essas empresas precisam para operar. Além disso, o país também está revendo suas políticas migratórias, o que pode limitar sua capacidade de atrair novos talentos. Eu vejo esse momento como um chamado à ação, uma oportunidade para o Canada expandir seus horizontes, fazer novas parcerias e focar na capacitação e desenvolvimento de talentos locais que inclui muitos imigrantes.
