American Dream vs. Canadian Way of Life
Estudantes Internacionais entre a Realidade Canadense e a Lição Fora das Salas de Aula na Era Trump
Por Caio Quinderé | 16 de setembro de 2025
Estudantes internacionais redefinem sonhos em meio ao autoritarismo do governo Trump. Em contraste com os Estados Unidos, o Canadá tem se consolidado como destino preferencial de brasileiros e portugueses. Eles se sentem mais acolhidos e encontram ensino de qualidade aliado a reais possibilidades de conquistar a residência permanente.
Com universidades inclusivas e políticas migratórias mais humanizadas, o Canadá se consolida como destino preferido de brasileiros e portugueses. Foto: Nikolay Georgiev
Diante das crescentes tensões diplomáticas entre Estados Unidos e Canadá, estudantes brasileiros e portugueses optam por um futuro mais seguro em solo canadense. Eles revelam como o novo governo de Donald Trump, agora em seu segundo mandato iniciado em janeiro de 2025, ao lado de figuras influentes como Elon Musk, afeta decisões sobre estudo, trabalho e identidade. Embora Musk não ocupe mais cargo oficial no governo, sua influência direta sobre políticas públicas e discursos do presidente na época foram amplamente discutidas.
A Revista DISCOVER conversou com estudantes que vivem atualmente no Canadá — jovens que investem tempo, constroem sonhos e apostam em um futuro com mais oportunidades após a formação em universidades canadenses.
A proposta foi entender as escolhas, os destinos e as perspectivas desses estudantes estrangeiros frente às políticas econômicas e migratórias do governo Trump. Ainda durante a corrida pré-eleitoral, suas propostas geraram alerta internacional. Mesmo com a candidata democrata Kamala Harris liderando pesquisas em parte do processo eleitoral, a vitória do republicano surpreendeu muitos analistas políticos.
Conversamos também com Jan Wrede, diretor da CI Intercâmbio em Toronto, para compreender o perfil dos estudantes que procuram o Canadá e como as políticas migratórias americanas têm impactado seus planos. Muitos entrevistados pediram anonimato e não quiseram ter suas imagens divulgadas, evidenciando o medo diante de uma política de imigração considerada misógina e discriminatória por parte dos EUA.
A Escolha do Canadá — Um Refúgio Mais Seguro e Plural
Nos corredores da Universidade de Toronto, a estudante carioca Letícia Maria (nome fictício) respira aliviada. “Escolhi o Canadá porque não queria viver sob o medo. Com Trump de volta, os EUA se tornaram território de instabilidade, inclusive emocional.” Letícia integra um grupo crescente de jovens que rejeita os Estados Unidos como destino acadêmico e encontra no Canadá não apenas uma oportunidade de estudo, mas também um abrigo emocional e político.
Em meio ao discurso inflamatório anti-imigração dos EUA, cresce o número de estudantes que trocam o “american dream” pelo “Canadian way of life”. Imagem: Mohamed Hassan
Dados da Immigration, Refugees and Citizenship Canada (IRCC) mostram um salto de 18% no número de vistos concedidos a estudantes latino-americanos em 2024, enquanto universidades americanas enfrentam queda nas matrículas. Especialistas atribuem essa tendência à retórica agressiva do presidente Trump e à influência de Elon Musk, que têm impulsionado políticas de fechamento econômico, vigilância e xenofobia.
A diferença entre os dois países começa no processo de entrada: enquanto os EUA impõem critérios subjetivos e instáveis, o sistema canadense é elogiado por sua previsibilidade. “Nos EUA, sentia que meu visto poderia ser negado por uma simples expressão facial. Aqui, fui tratado como ser humano”, relatou André Ferreira, estudante português de Ciências da Computação em Vancouver.
Além da burocracia, o ambiente social também pesa. “Aqui, professores e colegas fazem questão de incluir os imigrantes. Sinto que pertenço”, disse Letícia. Essa sensação contrasta com o clima de hostilidade nas universidades americanas, onde estrangeiros relatam discriminação crescente. “Desde que voltou à Casa Branca, Donald Trump tem colocado em risco a pesquisa universitária nos Estados Unidos, bloqueando financiamentos e interferindo na gestão de instituições renomadas como Harvard”, afirmou Ferreira.
Segundo Jan Wrede, o perfil dos estudantes brasileiros ou de outras nacionalidades que procuram o Canadá não mudou drasticamente, mas as incertezas econômicas geradas pelas políticas de Trump têm influenciado decisões migratórias mais amplas.
Jan Wred é diretor da CI Intercâmbio em Toronto. Foto: Arquivo pessoal do entrevistado
Revista Discover: Qual é o perfil do estudante que procura seu serviço para estudar ou morar no Canadá?
Jan Wrede: O perfil é de quem busca uma faculdade no exterior, com possibilidade de trabalho e eventual permanência no país. São estudantes entre 16 e 35 anos, interessados em cursos que vão do bacharelado ao MBA. Muitos planejam vir em família.
RD: Quais são as maiores dúvidas sobre residência permanente ou visto?
JW: O brasileiro médio ainda tem pouca informação sobre o processo. Há muita dependência de relatos informais, o que é arriscado. As dúvidas giram em torno de custos, mercado de trabalho, admissibilidade e vistos. Muitos acreditam erroneamente que fazer um college e trabalhar garante residência permanente.
RD: A política de imigração do governo Trump pode atrair mais estudantes para o Canadá?
JW: Sim, já notamos esse movimento. Porém, ao contrário de 2016, durante o primeiro mandato de Trump, agora o cenário é mais complexo. O Canadá fez mudanças em sua política de imigração para priorizar qualidade e carreiras em alta demanda. Isso foi mal interpretado como restrição e reduziu a procura.
RD: O Canadá seguirá a linha americana na imigração?
JW: Não acredito. O Canadá vê a imigração e os estudantes internacionais como parte essencial de seu crescimento. A tendência é valorizar profissionais com domínio do idioma, formação sólida e inserção em áreas estratégicas como STEM e saúde.
Permanecer ou Partir? O Futuro Profissional em Xeque
O plano de usar o diploma canadense como passaporte para o Vale do Silício está se desfazendo. “Era meu plano inicial, mas hoje vejo como ingenuidade”, admitiu André. O endurecimento dos critérios de validação de diplomas e a suspensão de acordos de mobilidade dificultam a movimentação internacional.
Para muitos, permanecer no Canadá tornou-se não só preferência, mas necessidade. “Tenho mais chances de ficar legalmente no Canadá do que ser aceita como profissional nos Estados Unidos de Trump”, afirmou Teresa Cunha Eça, portuguesa de Setúbal, hoje assistente de pesquisa em Quebec. Ela imigrou em 2017 para cursar mestrado em bioquímica e atualmente está no Ph.D., planejando residência definitiva.
Estudantes internacionais buscam no Canadá um lugar seguro onde o ensino de qualidade, o bom acolhimento e as reais oportunidades de construir um futuro são mais vantajosos na era Trump. Imagem: Pixabay
Mudança de Planos — Quando até as Férias São um Risco
Ana Lúcia Queiroz de Macedo, de Fortaleza, desistiu de visitar os parques americanos com amigos neste verão. “Com esse clima de hostilidade, não me sinto segura nem como turista.” Casos de estudantes barrados na fronteira aumentaram desde o retorno de Trump. A retórica anti-imigrante, amplificada por Elon Musk nas redes sociais, tem causado temor.
“O American dream virou uma ameaça”, disse Ana. Muitos relatam interrogatórios abusivos e discriminação na fronteira. A antiga ponte para o intercâmbio acadêmico hoje se assemelha a uma barreira ideológica.
Em resposta, estudantes internacionais têm se engajado em movimentos pró-Canadá. “Participei de uma vigília pela paz na UBC. Foi emocionante. Pela primeira vez, senti orgulho de uma bandeira que não era a minha”, declarou Teresa.
Essa nova identidade se expressa em boicotes a marcas americanas associadas a Trump e Musk. “Não compro mais Tesla”, disse Letícia.
Entre livros e novos começos, estudantes internacionais constroem no Canadá um caminho de aprendizado e estabilidade longe das incertezas da política americana.
O pertencimento canadense vai além da política: está na gentileza dos gestos cotidianos, nas salas de aula inclusivas, nos cafés das cidades geladas. “Tornei-me defensora do Canadá, porque ele me acolheu quando mais precisei”, resumiu Ana Lúcia.
A volta de Donald Trump à presidência, após seu primeiro mandato entre 2017 e 2021, representa mais que uma mudança política: é, para muitos jovens ao redor do mundo, o fim de um sonho e o nascimento de outro — mais solidário, discreto e realista. Um sonho canadense.
