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Universidade Pública Brasileira é Pioneira no Ensino Digital com Dois Programas Virtuais de Intercâmbio Internacional 

A história bem-sucedida da Universidade Estadual Paulista  que revolucionou o ensino à distância com os programas virtuais de intercâmbio: Teletandem e BRaVE 

 Por Jandy Sales | 11 de fevereiro de 2025

Cortesia: Freepick

É difícil imaginar hoje em dia a comunicação acontecendo pelos quatro cantos do mundo sem o suporte das plataformas digitais. Apesar da interação pelas videoconferências e salas de bate-papo ainda engatinhavam na primeira década dos anos 2000, a Universidade Estadual Paulista começava em 2006 um trabalho de aprendizagem virtual à distância. Surgia nos laboratórios da universidade, o Teletandem – que é uma técnica pedagógica para troca de conhecimentos quando – por meio de videoconferências e salas de bate-papo, um aluno ensina e o outro aprende e vice-versa. Em um processo de aprendizado em tandem, dois estudantes se unem para compartilhar conhecimentos linguísticos e culturais. Essa colaboração mútua permite que ambos pratiquem a língua estrangeira e alcancem um nível mais elevado de proficiência.

A metodologia adotado pela Unesp é considerada pioneira no Brasil, um projeto de prática de pesquisa bem sucedido que teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Na época em que o teletandem foi criado a comunicação com a que estamos fazendo agora era bem precária. Se você tentasse colocar câmera e voz, não funcionava. Nós fomos pioneiros até para desbravar essa tecnologia e fomos descobrindo outras”, disse a coordenadora do Brazilian Virtual Exchange Program (BRaVE) Ana Cristina Biondo Salomão, em entrevista pelo aplicativo Google Meet.

A professora Ana Cristina Biondo Salomão é coordenadora do BRaVE e mentora do Teletandem, projeto de intercâmbio virtual de línguas da Unesp, que é considerado pioneiro no Brasil.

De acordo com a professora Ana Cristina Biondo Salomão, o Teletandem é voltado para professores da área de línguas estrangeiras. Buscava-se um contexto autêntico para os alunos. Baseado nessa aprendizagem de “tandem”, o aluno fala metade do tempo uma língua estrangeira que ele está aprendendo (inglês, espanhol, italiano, francês) e metade do tempo em português que é para ajudar o estudante estrangeiro a falar português.

A parceria da Unesp tem sido mantida com instituições internacionais que ofereciam cursos de português. Tudo para que a troca de experiências cumprisse o ritual de todo intercâmbio de línguas: os alunos do outro lado pudessem aprender português e que os alunos brasileiros tivessem a oportunidade de aprender uma língua estrangeira. “Do outro lado do oceano, quem está aprendendo português são alunos universitários das mais diferentes áreas que estão aprendendo o idioma brasileiro por alguma razão”, afirmou a professora.

Inicialmente restrito aos alunos de Letras, hoje o Teletandem se expandiu para atender todos os estudantes de todos os cursos da Unesp. Conforme explicou a professora Ana Cristina Biondo Salomão, as vagas são abertas para todos os interessados, sendo o número de participantes limitado pela disponibilidade de vagas em instituições estrangeiras parceiras.

 Por Dentro do Teletandem

O Teletandem é uma experiência pioneira que permite aos estudantes se sentirem imersos em outras culturas na hora de aprender outro idioma.  Cortesia: Unesp

Cada sessão do Teletandem tem duração de uma hora, sendo metade dedicada à prática do português e a outra metade à língua estrangeira. É preciso um certo nível de conhecimento do idioma que o estudante expresse interesse em aprender. Isso também vale para o estudante do outro lado do oceano.

Nesse processo de aprendizagem – que dura em média seis semanas, com as interações online ocorrendo uma vez por semana, há a participação de um mediador. A mediação é feita por alunos de pós-graduação ou de gradução da Unesp que fazem pesquisa em Teletandem. Tal intermediação poderá ocorrer no laboratório da universidade ou até mesmo quando o estudante participa do intercâmbio virtual no conforto de suas casas.

Ao fim de cada sessão, os alunos se reúnem com o mediador para compartilhar a experiência do Teletandem. “Na perspectiva do professor de língua, essa experiência será interessante porque ele não vai apenas olhar para o ensino, mas saberá como se dá essa aprendizagem, essa interação com a língua estrangeira”, afirmou a educadora.

Uma outra grande vantagem do Teletandem é que o mesmo ajuda o aluno a quebrar a barreira do medo de falar uma língua estrangeira – um tipo de insegurança e constrangimento que pode ocorrer com quem também está do outro lado do mundo aprendendo a falar o português.

Desbravando Virtualmente Experiências Acadêmicas

A experiência bem sucedida do Teletandem levou a professora Ana Cristina a ser convidada em 2017 para criar um programa de aprendizagem virtual no mesmo formato do Collaborative Online International Learning (COIL), que é uma modalidade de ensino que reúne estudantes de várias culturas em uma comunidade online internacional de aprendizagem. Foi criado, então, o Brazilian Virtual Exchange Program (BRaVE), o qual tem ela como coordenadora.

O BRaVE foi mais uma oportunidade para os estudantes da Unesp vivenciarem a aprendizagem online e interativa com estudantes de outras nacionalidades e culturas.  Assim como o sistema de aprendizagem COIL, o BRaVE se diferencia do Teletandem – de acordo com a professora Ana Cristina pelo fato de o primeiro focar na colaboração de disciplinas independente de área de aprendizagem.

Segundo a professora Ana Cristina, a primeira incursão virtual na mais nova modalidade digital de ensino da universidade foi na área de saúde, em 2018. Ela explicou a dinâmica do BRave ao tomar como exemplo uma atividade virtual desenvolvida pelos alunos de uma disciplina do curso de Medicina da Unesp na área de doenças virais com estudantes de mesmo curso na Inglaterra.  “Os professores davam casos de doenças virais para os alunos estudarem durante a semana”, afirmou a educadora Ana Cristina.

Em seguida, os alunos realizavam pesquisas para aprofundar seus conhecimentos sobre a doença, investigando sintomas, possíveis diagnósticos e tratamentos. Ao compartilhar seus achados com os professores e com os estudantes britânicos, eles percebiam as diferenças nas abordagens. Isso devido ao contexto epidemiológico distintos entre os dois países. “Enquanto os brasileiros achavam que a doença era dengue e chikungunya, lá na Inglaterra eles achavam que era outra doença. A gente está tentando trazer o mundo real para os conteúdos de sala de aula e essas comparações locais e globais”, afirmou a educadora.

Outro exemplo bem-sucedido do BRaVE ocorreu com alunos do curso de Engenharia da Unesp, quando estudantes brasileiros e chilenos colaboraram com projeto sobre energia renováveis. Divididos em grupos e com duração de quatro meses, eles compararam a matriz energética dos dois países. Eles também discutiram as melhores práticas para o uso das energias renováveis. Ao final do projeto, os alunos produziram um vídeo-documentário com suas descobertas e reflexões.

“BRaVE, Bravo e Corajoso”

Apesar de ter iniciado de maneira tímida, o BRaVE experimentou um crescimento exponencial durante a pandemia do Covid-19, segundo revelou a professora Ana Cristina. “A gente começou a pensar esse projeto em 2017 e por que tinha que o nome tinha que ser BRaVE? Por que tinha que ser bravo, corajoso. Hoje todo mundo está online, mas naquela época muitos professores diziam que a gente estava louco”, disse ela.

Além de promover uma educação à distância sem fronteiras, um dos objetivos do BRaVE é atender o maior número de alunos da universidade com uma experiência educacional de internacionalização por meio das plataformas digitais.  “O BRaVE é um intercâmbio de ideias, de culturas. Se o aluno não pode se mover fisicamente para fazer o intercâmbio, ele faz isso virtualmente”, afirmou.

A professora Ana Cristina afirmou que a ausência do contato presencial não gerou resistência entre os alunos. No início, alguns demonstraram insegurança em relação ao uso da língua inglesa, mas o planejamento cuidadoso das atividades e o suporte dos professores permitiram superar esse obstáculo. “No final, os estudantes dizem: ‘olha, eu estava com medo, mas depois eu descobri que eu sabia falar inglês. Enquanto outros falam: ‘eu até me rematriculei na aula porque estou animado para dar continuidade nos estudos e fiz um amigo. Eu quero viajar, conhecer essa pessoa’ ”, afirmou.

O Ensino Virtual Convertendo-se em Créditos

Para o aluno a importância de participar do BRaVE é a chance de internacionalizar o currículo e colocar  experiência do intercâmbio virtual no histórico escolar. E o mesmo receberá uma nota ao considerar como uma atividade curricular que o aluno realizou e que vai se somar a nota final dele.  “Para o aluno é importante porque no histórico escolar dele vai aparecer que a disciplina foi realizada em colaboração com universidade do México, por exemplo”.

Para facilitar a interação digital do aluno da Unesp com o ‘colega’ do outro lado do mundo, as modalidades de comunicação tem sido uma preocupação para a coordenação do BRaVE. As atividades virtuais não ficam limitadas ao campus da instituição, mas ocorrem de maneira asincrona – sem a necessidade de agendamento prévio, podendo ser feita onde ele estiver pelo celular com uso de aplicativos que proporcionem a dinâmica e mobilidade virtual nessa fase do aprendizado.

 Professores da Unesp estão levando a experiência do BRaVE para outras universidades brasileiras por meio de treinamentos.

O Alinhamento entre os Cursos

Mas bem antes de o aluno ingressar no mundo didático dominado pelos gigabytes, há um tipo de caça-talentos feito pela coordenadora e professora Ana Cristina na busca pelos parceiros, ou seja, sair em busca de professores que tenha interesse em participar do BRave, tanto da Unesp, como de instituições estrangeiras. Trata-se de uma espécie de ajustamento das disciplinas. “Como coordenadora do BRaVE no Brasil, um dos meus papeis é achar parceiros para os nossos professores. Existem redes de conexões que têm instituições com programa de intercâmbio institucional com coordenadores como eu. Eu procuro professores que têm interesse nesse tipo de trabalho e me dizem qual disciplina gostariam de inserir o BRave e qual a língua de interesse deles. Em seguida, eu falo com o coordenador do outro lado e ele acha o professor que tenha interessepara encontrar os professores para que depois possa ser feito um brainstorming do que eles poderiam fazer juntos”.

Levando o BRaVE para outras Universidades

Segundo a professora Ana Cristina está sendo realizado no momento cursos de formações para os professores da Unesp para que eles entendam o que é um intercâmbio virtual como se eles estivessem participando na prática. De acordo com ela, doscentes da Universidade Federal do Espírito Santo e da Universidade Federal de Goiás também participarão do curso.

Quanto interação física e virtual, a professora Ana Cristina afirma que há um entendimento acerca da diferença entre essas duas realidades de aprendizado, mas ambas têm vantagens e desvantagens. No mundo do futuro e do trabalho de hoje muitas dessas interações terão que ser virtuais. A gente tem trabalhado nesse sentido com os alunos. Em seus sete anos de existência, o programa BRaVE alcançou números bastante expressivos. Até 2023, foram 122 projetos integrados a diversas disciplinas de cursos da Unesp. 2.200 alunos e 85 professores participaram do programa de intercâmbio virtual em colaboração com 65 universidades de 24 países.   Já o Teletandem tem oferecido a oportunidade de aprendizado de idiomas para um público maior de estudantes da universidade, com cerca de 300 alunos participando anualmente apenas no campus de Araraquara.

Quebrando Barreiras Linguísticas e Culturais: Estudante de Relações Internacionais Relata Experiência no Intercâmbio Virtual da Unesp

Letícia Parreira Araújo compartilha a jornada no Brazilian Exchange Program (BRaVE)

A aluna da Unesp, Letícia Parreira Araújo, participou do programa de intercâmbio do BRaVE com o curso “Restaurante internacional: Jantares Temáticos e Eventos Culturais. Foto: Arquivo pessoal 

Letícia Parreira Araújo é estudante do quarto período de Relações Internacionais na Unesp de Marília. Ela mergulhou no universo do intercâmbio virtual através do programa BRaVE. De acordo com a estudante, a busca por experiências interculturais e a vontade de aplicar os conhecimentos adquiridos em sala de aula foram os principais motivos para abraçar a ideia de fazer esse tipo de intercâmbio. Ela fala das primeiras interações com estudantes de outras nacionalidades até os desafios e as conquistas alcançadas. Ela concluiu recentemente o curso “Restaurante internacional: Jantares Temáticos e Eventos Culturais”.

Segundo Letícia, o projeto teve início em 12 de setembro e se encerrou em três de outubro. O curso envolveu 34 alunos, sendo 18 brasileiros e 16 argentinos. Durante todo o processo, de acordo com ela, as professoras acompanharam de perto as atividades, oferecendo suporte e orientação, segundo revelou Letícia nessa entrevista especial para a Revista DISCOVER.

Revista DISCOVER: Como tem sido a experiência dessa interação com estudantes da Universidad Nacional de Río Cuarto, na Argentina, no curso “Restaurante internacional: Jantares Temáticos e Eventos Culturais”?

Letícia Parreira Araújo: A experiência, tanto neste ano como no anterior, foi muito enriquecedora, me proporcionou o contato direto e recorrente com pessoas de outro país, algo que eu ainda não tinha vivido e foi muito interessante conhecer mais sobre os costumes gastronômicos e culturais da Argentina. Além disso, foi uma atividade desafiadora, pois mesmo o português e o espanhol sendo línguas muito semelhantes, a pronúncia, a velocidade da fala e até mesmo a maneira de redigir mensagens por WhatsApp dificultaram um pouco a comunicação.

RD: Houve algum momento específico em que você sentiu um choque cultural ou dificuldade na comunicação com os estudantes de outro país? Como superou isso?  

LPA: Não senti nenhum choque cultural específico, apenas em alguns momentos houve certa dificuldade na comunicação, tanto em nossas reuniões por meet, quanto nas nossas interações por Whatsapp. Porém, as dificuldades foram superadas através de um auxílio mútuo entre os brasileiros e os argentinos, tanto falando mais devagar e claramente, quanto através de ferramentas de tradução online.

RD: Como foi a escolha do tema para o projeto sobre “Jantares temáticos e eventos culturais”? E qual é a sua contribuição pessoal para o projeto?  

LPA: A escolha foi feita pelas professoras e pelo organizador do projeto de intercâmbio virtual, creio que a ideia foi escolher um tema “universal” e que pudesse unir os alunos, visto que tanto a comida, como a cultura são elementos fundamentais na vida de todos os países. Quanto à minha contribuição pessoal no projeto acredito que tenha sido, junto com as minhas colegas brasileiras, apresentar itens da gastronomia brasileira e nossas estilos musicais mais tradicionais – como o dadinho de tapioca, que os argentinos não conheciam, e o samba e a bossa nova, que integraram o evento cultural criado pelo nosso grupo.

RD: Que aspectos da cultura argentina e francesa você acha que mais enriqueceram o trabalho? Você conseguiu trazer algo único da cultura brasileira para a colaboração? 

LPA : A respeito da cultura argentina, ela integrou o prato principal do “menu” criado para o nosso trabalho – cujo nome foi “Restaurante: Arte entre as Nações” –, com o “asado” de carnes, que é bem semelhante com o churrasco brasileiro e, assim como aqui, é normalmente consumido nos almoços de domingo entre famílias argentinas. Além disso, utilizamos o tango como parte do evento cultural que seria realizado no restaurante, que é um estilo musical e de dança considerado um símbolo no país. Quanto à cultura francesa, ela integrou as “sobremesas” do cardápio, com seu doce delicado e tradicional: “creme brullé”, e o estilo musical do “Carnaval de Niza” (ou Nice), um dos eventos culturais mais populares da Riviera Francesa – sempre tem temas diferentes que representam aspectos do país.

 Imagem de Htc Erl

RD: Em termos acadêmicos e pessoais, quais têm sido os maiores desafios enfrentados durante o intercâmbio virtual?  

LPA: Em termos acadêmicos, os maiores desafios que eu enfrentei durante esse intercâmbio virtual foi conciliar as demandas do projeto com as outras disciplinas, trabalhos e atividades do curso, além de encontrar horas vagas em que todos os membros do grupo pudessem se reunir para conversar sobre a atividade. Em termos pessoais, creio que foi a necessidade de aprender a lidar com as diferenças e entender as individualidades de cada um, ou seja, compreender que todos têm rotinas e costumes diversos, que às vezes podem não ser parecidos com a maneira que eu estou acostumada a trabalhar em grupos com apenas estudantes brasileiros.

RD: Você acredita que essa experiência ajudou no seu desenvolvimento acadêmico e profissional?  

LPA: Acredito que sim. Dentro da área de Relações Internacionais é extremamente importante manter contato com outras culturas e buscar entender as diferenças entre elas, por isso, sinto que essa experiência foi apenas uma pequena amostra daquilo que irei vivenciar na minha carreira profissional, que pode me ajudar a entender aquilo que desejo para o meu futuro. Quanto ao meu desenvolvimento acadêmico, creio que essa experiência contribuiu para aprimorar minha habilidades de trabalho em equipe e de apresentações.

 

Depois da experiência do BRaVE, Letícia Parreira planeja fazer um intercâmbio presencial.

RD: O curso vai lhe ajudar no currículo acadêmico na soma de créditos para alguma disciplina do seu curso na Unesp, por exemplo?  

LPA: Sim. O projeto de intercâmbio virtual fornece horas de estágio profissional para os estudantes da Unesp, além de certificados que podem contribuir com nossos currículos pessoais.

RD: Após participar deste intercâmbio virtual, você considera fazer um intercâmbio presencial no futuro ou continuar colaborando com universidades internacionais?  

LPA: Sim. Após essa experiência, considero fazer um intercâmbio presencial e continuar colaborando com outras universidades internacionais, já era algo que eu tinha interesse antes, mas agora, depois de ter vivenciado esse projeto, tenho mais vontade ainda! Pois percebi que a interação com pessoas de outros países contribui para a nossa formação, não só acadêmica, como pessoal.

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JandySales

Jandy tem experiência em rádio, televisão, jornal e revista. Ele já recebeu três prêmios como documentarista.