Desafios do Imigrante no Sistema de Saúde do Canadá
O QUE O IMIGRANTE PRECISA SABER PARA EVITAR DORES DE CABEÇA COM O SISTEMA DE SAÚDE CANADENSE
Por Allessandra Cintra | 6 de junho de 2024
No Canadá, reconhecido pelo seu conceituado sistema de saúde, nem todos os serviços são cobertos pelo governo do país. E mesmo quem adere a um seguro médico privado está livre de certos contratempos. Duas famílias brasileiras, por exemplo, enfrentaram desafios devido à morosidade do serviço prestado pela seguradora e foram surpreendidas pelos altos valores das contas médicas.
O sistema de saúde canadense é financiado pelo governo com a oferta de serviços médicos aos cidadãos e aos moradores que têm direito ao mesmo. Mas é bom ficar atento que cada província possui sistema de saúde com regras próprias. Algumas delas chegam a cobrar uma taxa mensal de saúde pública, como é o caso da província de British Columbia (BC), enquanto outras oferecem atendimento gratuito, como é o caso de Ontário (ON). No total, existem 13 sistemas de saúde no país focados no atendimento dos pacientes de forma igualitária. Independentemente da classe social, todos utilizam os mesmos hospitais, clínicas e médicos. Ao contrário do Brasil, não há distinção entre hospitais públicos e privados.
Mas o que pode parecer vantajoso, pode não ser na realidade tão benéfico para quem ainda não está coberto pelo sistema de saúde canadense. Para a brasileira Gisela Brandão, os problemas começaram em 2016 após ela sofrer uma queda ao patinar no gelo. Ela chegou a quebrar a perna em dois lugares. Na época, Gisela morava em Toronto – a maior cidade do país, com a família e ainda não tinha o plano de saúde do governo. Com o seguro de saúde privado em mãos, ela foi levada a uma emergência hospitalar e atendida rapidamente. “Inicialmente, foi feito um raio-X e os médicos constataram a necessidade de uma cirurgia. Porém, as 12 salas cirúrgicas do hospital estavam ocupadas, então fui mandada para casa com a perna imobilizada. No dia seguinte, recebi uma ligação do hospital para operar”, disse ela.
Gisela Brandão ao lado da família: demora do pagamento do seguro saúde pelo tratamento médico e a surpresa ao receber as cartas de cobrança do hospital.
Os Altos Preços das Contas
Foi a partir daí que Gisela enfrentou desafios financeiros. Inicialmente, ela precisou pagar CAD$ 349 (R$ 1.270) pelo atendimento na emergência e CAD$ 54 (R$ 197) pelos medicamentos para dor. Depois da cirurgia, foram mais CAD$ 1.500 (R$ 5.475) do cirurgião principal e CAD$ 500 (R$ 1,825) para cada um dos dois assistentes. “Esses custos precisaram ser pagos na hora e o seguro nos reembolsaria depois. Já as despesas do hospital, material cirúrgico e uma placa que coloquei na perna seriam pagas diretamente pelo seguro ao hospital”, explicou Gisela.
No entanto, a demora no pagamento pelo seguro e as cobranças que começaram a chegar em sua casa, no valor de CAD$ 29.600 (R$ 108 mil), causaram estresse. “Começamos a receber cartas do hospital em casa com as cobranças. Entrávamos em contato com o seguro e nada. Chegamos a receber um aviso final e o estresse só aumentou, até que quase cinco meses depois o seguro fez o pagamento de todas as despesas, as do hospital e as nossas. Demorou, mas foi resolvido, e ter um seguro saúde foi muito importante para nós naquele momento”, desabafou Gisela.
Apesar de alguns contratempos, Gisele Brandão afirma que “ter um seguro saúde foi muito importante” para a família no período delicado da cirurgia.
Pandemia e Documentação
O economista Ricardo Garcia também viveu momentos de estresse e angústia após duas cirurgias de emergência enfrentadas pelo filho Caio, na época com cinco anos de idade. Ricardo e a família moravam em Toronto. A extensão dos vistos deles no país estava em andamento e não desfrutavam ainda dos benefícios do sistema de saúde pública de Ontário. Nesse período foi constatado um colesteatoma no ouvido direito do pequeno Caio e a indicação médica era a remoção imediata do tumor. Na mesma época, eles também estavam de mudança para Halifax, capital da província de Nova Scotia, e tinham feito uma extensão do seguro saúde da faculdade onde Ricardo estudou, enquanto aguardavam a chegada dos novos vistos para darem entrada no seguro de saúde do governo da província. O ano era 2020 e a pandemia atrasou a chegada da documentação.
Como Caio precisava de uma cirurgia de emergência, após muita luta e ajuda do médico responsável pelo procedimento, Ricardo e a esposa Mariana conseguiram a aprovação do hospital para que cirurgia fosse realizada. A cobrança seria encaminhada pelo próprio hospital para o seguro de saúde privado e assim foi feito. A primeira cirurgia do menino foi realizada em novembro de 2020 e as faturas encaminhadas ao seguro saúde. No entanto, o que ninguém esperava era que o seguro negasse o pagamento. A partir daí, a família começou a receber as cobranças. Ricardo e Mariana precisaram contratar um advogado para tentar reverter o problema. “Foi um momento complicado, mas a cada fatura recebida eu ligava no hospital e falava com os responsáveis. Sempre entreguei nas mãos de Deus, tive tranquilidade e sabia que ia dar certo”, conta Ricardo.
Ricardo Garcia ao lado da esposa, Mariana, e dos filhos Caio (em pé) e Daniel: Empresa seguradora de saúde chegou a negar pagamento pela cirurgia do filho. “Foi um momento complicado.”
Com as faturas do hospital ainda em aberto, Caio precisou de uma segunda cirurgia em julho de 2021, pois o cirurgião responsável queria ter certeza da remoção total do tumor.
Novamente, o hospital cobrou do seguro e este negou o pagamento. Com as duas negativas do seguro saúde e uma dívida de CAD$ 18 mil (R$ 65.700), Ricardo e o advogado seguiram um outro caminho. A família era residente legal no Canadá no momento da cirurgia, as permissões de trabalho já haviam sido aprovadas e o único problema foi o atraso no recebimento dos documentos físicos. “O MSI, seguradora de saúde de Nova Scotia, alegava que só poderia nos registrar no sistema de saúde com a papelada em mãos, apesar do atraso em receber os papéis não ter sido culpa nossa, pois a pandemia atrasou os processos”, explica Ricardo. Ele, então, recorreu ao MSI e um ano e meio depois da primeira cirurgia o sistema de saúde de Nova Scotia aceitou os argumentos da defesa e assumiu a dívida com o hospital. “Foi só alegria e gratidão depois disso. Fizemos nossa parte e tudo foi solucionado, inclusive a recuperação do nosso filho que hoje está ótimo”, vibra Mariana.
Sistema de Saúde no Canadá e suas Regras
No Canadá, o sistema de saúde funciona de diferentes formas, variando de província para província. Em Ontário, por exemplo, é necessário ter um visto de trabalho válido e estar trabalhando em período integral há pelo menos seis meses para um empregador da província. Já em Nova Scotia, basta ter um visto de trabalho válido por pelo menos um ano e o acesso à saúde já é permitido assim que você chega, independentemente de estar ou não empregado.
Em British Columbia, o acesso ao sistema de saúde é pago e geralmente leva três meses após a sua data de chegada para ser liberado da carência. O valor mensal fica em torno de CAD$ 75 (R$ 273.75) por pessoa. Ao contrário de Ontário e Nova Scotia, o estudante internacional em BC, que tenha visto com mais de seis meses consecutivos, também pode aplicar para o seguro de saúde assim que chega à província. Em todos os casos, o acesso aos serviços de saúde é um direito estendido à família.
Em geral, os residentes do Canadá dispõem de cuidados médicos de rotina, exames, tratamento hospitalar, cirurgias e terapias. No entanto, serviços como fisioterapia, cuidados com a visão, terapias, cuidados dentários e medicamentos prescritos fora dos hospitais não estão cobertos pelo sistema de saúde pública do país. Esses serviços precisam ser pagos ou custeados a partir de um plano de seguro saúde oferecido pelo empregador.
Apesar do sistema de saúde do Canadá ser público, nem todos os serviços são cobertos pelo governo.
Residente não Elegível ao Seguro
Se você mora no Canadá, mas ainda não é elegível ao seguro de saúde do governo, fique atento aos valores cobrados pelos hospitais, mesmo que você tenha um seguro privado. No Sunnybrook Hospital de Ontário, pacientes sem o Ontario Health Insurance Plan (o plano de saúde do governo) precisam pagar um depósito de CAD$ 10 mil (R$ 36.500) em caso de internação. Esse valor cobre o custo da internação hospitalar, excluindo honorários médicos, exames de diagnóstico por imagem (como tomografia computadorizada e ressonância magnética) e procedimentos ou testes especializados. Esses itens serão cobrados na hora de pagar à diária hospitalar.
Pela política do hospital, o valor do depósito mencionado anteriormente é exigido a todos os pacientes, incluindo aqueles que têm seguro, pois em muitos casos os seguros privados estão sujeitos a franquias, limites de cobertura e exclusões para doenças pré-existentes. Mas, em caso de o seguro saúde cobrir todas as despesas, o hospital fará o reembolso do valor pago ao paciente. Para se ter uma ideia, a diária de um médico no caso de internação do paciente custa em torno de CAD$ 3.900 (R$ 14.235), no Sunnybrook Hospital. Já no caso de internação em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o custo diário do honorário médico é de CAD$ 6.100 (R$ 22. 265).
No Queensway Carleton Hospital de Ottawa (ON), as taxas para quem não tem o seguro saúde canadense também são altas. O valor de uma consulta de emergência varia de CAD$ 386 (R$ 1.408) para residentes sem seguro do governo a CAD$ 1.158 (R$ 4.226) para não residentes no Canadá. Em caso de internação, o valor da diária do quarto compartilhado varia de CAD$ 1.258 (R$ 4.591) para residentes sem seguro a CAD$ 3.774 (R$ 13,775) para não residentes. Caso a internação seja na UTI, o custo diário da ala varia de CAD$ 4.502 (R$ 16.432) a CAD$ 13.506 (R$ 49.296). Em caso de cirurgias, os valores também oscilam. A diária é a partir de CAD$ 973 (R$ 3.551), no no caso de cirurgias de baixo risco para residentes sem seguro, a CAD$ 26 mil (R$ 94.900) para cirurgias de alto risco para quem não tem a residência permanente. Exames simples, como raio-X e exame de sangue, custam de CAD$ 33 (R$ 120.45) a CAD$ 330 (R$ 1.204). A lista completa de preços do hospital pode ser consultada no site: https://www.qch.on.ca/WithoutHealthInsuranceFees
*Os valores em dólares canadenses mencionados na reportagem foram convertidos para o real com base na cotação média diária da moeda canadense no câmbio, que é de R$ 3,65.
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