Profetas da Chuva
Guardiões da Natureza na Luta Contra a Mudança Climática
Por Caio Quinderé | 16 de janeiro de 2024
“O sabiá no sertão quando canta me comove.
Passa três meses cantando. E sem cantar passa nove.
Porque tem a obrigação e só cantar quando chove”
Trecho da música Chover, de Lirinha e Clayton Barros
( Cordel do Fogo Encantado)
Em meio ao cenário árido e desafiador do sertão nordestino do Brasil, uma comunidade única de visionários emerge, conhecida como os Profetas da Chuva. Sempre muitos reservados e humildes, esses homens e mulheres observam os caminhos das formigas, os cantos dos pássaros, as construções de cupinzeiros e demais talentos da natureza para fazer previsões do clima.
Vivendo na cidade de Quixadá, no sertão central do Estado do Ceará, eles desempenham um papel de destaque na cultura local ao tentar compreender e prever os padrões climáticos numa região marcada pela escassez de chuva. A atuação desses “místicos” ganha ainda mais importância em um contexto de mudança climática global, a qual o planeta tem sofrido extensivamente.
A DISCOVER Magazine viajou até Quixadá, que fica a cerca de 168 quilômetros de Fortaleza, para conhecer de perto o Encontro dos Profetas da Chuva. Um evento que acontece há 27 anos, sendo considerado o marco germinador de outros do gênero espalhados pelo Nordeste do Brasil. O encontro tem atraído ainda olhares científicos que resultaram em teses de mestrado e doutorado, livros, filmes e peças de teatro.
O jornalista Caio Quinderé procurou entender essa simbiose entre o saber popular e o científico, conversou com os tais profetas da região e também com Helder Cortez, fundador do Encontro dos Profetas da Chuva, com Clébio Viriato Ribeiro, então secretário de cultura de Quixadá e com Vilma Freire, secretária estadual do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Ceará.
O Ofício de Profeta
Erasmo Barreira, profeta da chuva e radialista.
Seu Erasmo Barreira era ainda um menino quando se deu conta de que para espantar a fome, precisava abrir olhos e ouvidos para o que ao seu redor dizia. “Os fazendeiros da região se reuniam para falar do plantio e eram orgulhosos. Mas o meu pai, um agricultor humilde, era certeiro. O que ele dizia, acontecia. Os fazendeiros ficavam assim, não acreditando muito”, lembra.
Sem rádio ou qualquer outra forma de comunicação e sem previsões meteorológicas ou técnicas do semiárido brasileiro, o jeito era apurar bem os sentidos e confiar nos sinais dados pela natureza para o ano que ia entrar. Foi diante dessa realidade que Barreira teve a necessidade de aprender o ofício do pai que era o de prever a chegada das águas.
“Em 1958, meu pai chegou do mato dizendo que tinha visto uma maria-de-barro com a boca pra baixo e o inverno não ia ser bom. Dito e feito”, completa ele. Hoje, Seu Barreira é um dos mais respeitados participantes do Encontro dos Profetas da Chuva, ocorrido anualmente no município de Quixadá, no Sertão Central do Ceará.
Nascido na fazenda Vertente, no distrito de Cipó dos Anjos, o agricultor Erasmo Barreira, 76 anos, filho de José Barreira, o José do Pino, é dono dos relatos de um saber singular e bem peculiar. “Sou um cara de pé rasado com um português matuto. Não tenho estudo como meu pai”, emociona-se. “Essa história do encontro de profeta só tem 27 anos, mas isso vem de muitos anos antes. Quem convive com a natureza, sabe o que vai acontecer”, pontua. Erasmo Barreira herdou do pai a enxada do roçado e a sensibilidade de observar o que está ao seu redor.
Os Profetas da Chuva são na sua maioria do sexo masculino e quase todos eles vivem da agricultura. Do trato com a terra, também dedicam suas vidas a observar a natureza, interpretando sinais sutis que indicam mudanças nos padrões de chuva. Possuidores de um saber ancestral, eles utilizam esses conhecimentos nativos, transmitidos de forma oral ao longo de séculos para “lidar” com a terra.
Esses visionários possuem uma relação íntima e desenvolvem uma compreensão profunda com os ciclos naturais que regem o clima no interior do Brasil. Timidamente, Barreira rebate as provocações: “Isso não é um tom, mas uma convivência. Não somos profetas, somos observadores da natureza”.
De origem mestiça com herança indígena e africana, eles falam pouco, são místicos, religiosos e cristãos. Suas práticas combinam sabedoria empírica com observações meticulosas. Todos eles estudam a vegetação, o comportamento dos animais e, especialmente, o céu.
Utilizando técnicas como o voo de aves migratórias, a posição das estrelas, o movimento das nuvens, o caminho das formigas e várias outras artes de percepção sensorial, eles decifram os sinais da natureza. “Eu tenho muito orgulho de minhas observações. A tecnologia que uso é as asas de um cupim, é a tecnologia dos meus olhos”, afirma Barreira.
Por trás das Profecias
Guardião da Tradição: Helder dos Santos Cortez, um profeta da chuva, procura transmitir o conhecimento ancestral que ajuda sua comunidade a enfrentar os desafios climáticos.
Presentes em mitologias, livros esotéricos, clássicos literários ou contos populares, as profecias sempre nos despertam, em um futuro de incertezas. Suas narrativas nos fazem imaginar e refletir. Elas nos conectam a nossas ancestralidades, nos levam a pensar profundamente sobre a existência de algo além de nós. E com um planeta passando por tantas mudanças climáticas de forma rápida e sem aviso prévio, pode-se acreditar em preconizações sem o rigor de tal iluminismo? Foi com esse pensamento que Helder dos Santos Cortez, 66 anos, funcionário de carreira na Companhia de Águas do Ceará – Cagece se defrontou no ano de 1990.
Nascido na cidade do Cedro, Sertão do Cariri, Cortez é apaixonado pela cultura popular do Nordeste do Brasil e se proclama dono de uma visão matemática da vida. “Eu fui ser gerente da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) em Quixadá em 1992. Não acreditava em profecias ou algo similar, mas fui provocado pelos moradores da cidade. Chegando na padaria, no açougue, na casa de um agricultor, o povo falava: ‘o senhor é o doutorzinho da Cagece, pois, não vai ter água nesse inverno, ou vai ter muita água no próximo inverno. Eu fui escutando, observando, vivendo na cidade e ouvindo esse povo. Esses profetas foram ficando meus amigos ao longo do tempo”, relata o químico de formação’.
Numa reunião empresarial, em 1996, Helder propôs reunir “esses místicos” para analisar o nível de assertividade de suas profecias climáticas. A ideia era confrontar o saber científico com o saber popular. Com apoio de políticos e empresários locais, em janeiro de 1997, juntamente com João Soares, presidente da Câmara de Dirigente Lojista do município de Quixadá, Helder realizou o 1º Encontro de Profetas Populares do Sertão Central.
“Tudo anotado, catalogado e auferido e, no mesmo período do ano seguinte, o evento se repetiu. “O nível de acerto de um ano para outro, foi espantoso. Dei a minha mão à palmatória e passei a acreditar mais no que esses homens e mulheres diziam”, conta Hélder. O encontro de Quixadá ganhou fama e notoriedade se espalhando por todo Nordeste e, por sua vez, causando o interesse da comunidade científica brasileira e estrangeira. Hoje, a mídia nacional e estrangeira aparecem em peso nos dias de janeiro, lotando a pequena cidade do Sertão Central com turistas e capitaneando muitos negócios para a região.
Os Desdobramentos
Secretário de Cultura do município de Quixadá, Clébio Viriato Ribeiro.
O Nordeste brasileiro é uma das mais vulneráveis regiões às mudanças climáticas. As frequentes e prolongadas secas têm impactado gravemente a agricultura e a vida das comunidades locais. Com isso, os conhecidos Profetas da Chuva têm desempenhado um papel crucial para aqueles que dependem da lavoura na região. “A tecnologia sabe muito e sabe todos os dias, mas nós sabemos tudo em um só dia. É um só dia, que a gente diz o que vai acontecer por ano que vai entrar”, sustenta o profeta Erasmo Barreira e, há mais de 20 anos, também é radialista. Ele comanda um programa na emissora de rádio local contando “causos” e apresentando violeiros do lugar.
Para o secretário de Cultura do município de Quixadá, Clébio Viriato Ribeiro, 54 anos, esses homens e mulheres fazem parte da identidade cultural da região – mas, segundo ele, é um traço da cultura quixadaense que está ameaçada de acabar. “Há um desafio em manter essa cultura da oralidade com um Sertão cada vez mais empobrecido porque os filhos e as filhas desses agricultores e agricultoras não querem viver nesse espaço de lamento”, reflete.
Todavia, essa tradição cultural da profecia de chuvas continua sendo de grande utilidade para os pequenos agricultores. Ribeiro observa que não se trata apenas de um elemento cultural que tem vínculo real com os sertanejos. Ainda hoje, ao lado da análise climática de base científica da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME), persiste, segundo ele, o mundo paralelo, o mundo místico representado pela profecia da chuva.
O secretário afirma também que sempre existiu o confronto entre o conhecimento científico e o conhecimento popular, mas o saber popular tem uma grande prevalência na vida das pessoas do Sertão, de acordo com Ribeiro. Elas se apegam a determinadas crenças que, na sua avaliação, não são frágeis nem vulneráveis. Muito pelo contrário, elas têm base na realidade de vida, na natureza. “Aqui não tem nenhum santo, eles são agricultores e agricultoras, e tem uma afetividade com a terra, uma intimidade com a natureza”, completa o secretário.
O Encontro Popular dos Profetas da Chuva é considerado o mais importante evento do Sertão Central do Ceará, abrangendo os 13 municípios da região. “Aqui em Quixadá tem-se um público de mais de 1000 pessoas. Quando é transmitido na televisão em nível nacional, isso é o maior acontecimento para a comunidade de Quixadá”, ressalta Viriato Ribeiro. Como gestor da pasta municipal, Ribeiro reconhece a importância destes “mestres” e “mestras” populares como signo identitário do lugar e, hoje, juntamente com Helder Cortez e João Soares, implementa possíveis ações de fomento e memória.
Os desdobramentos do evento atingem patamares bem positivos para a economia local. É, sem dúvida, um marco social e turístico da região. Mas, segundo o secretário, apesar de documentar esse saber popular, necessita-se avançar mais com iniciativas que garantam a sobrevivência dessa cultura da oralidade.
Para o secretário Ribeiro, é necessária uma sistematização de saberes com a criação de uma “escolinha de profetas” ou algo do gênero para que esse tipo de cultura não se fragmente em um mundo cada vez mais tecnológico e digital. “Nao sei que metodologia pedagógica usa, mas o ensino e aprendizagem deste saber há de existir para se manter um futuro”, reflete ele.
E, com sabedoria de mestre, Erasmo Barreira sacando seu espírito de poeta, recita versos. “Com 76 anos sem saúde, fui à farmácia do destino. O atendente era um menino e eu perguntei onde vende juventude. Não, senhor, o mal é sem virtude, e a resposta doeu meu coração. O saldo que tem no seu cartão, não dá para quitar sua saudade. E se pudesse comprar a mocidade, nem que fosse pagando a prestação”.
O secretário municipal de Quixadá, Clébio Viriato Ribeiro, conclui que a integração de saberes torna-se essencial para a sobrevivência do próprio homem, pois, não se trata “de chover ou não chover”, mas, segundo ele, de uma compreensão maior de que o ser humano é parte integral e natural do planeta. Segundo ele, é a continuação das espécies vivas da terra. E, de voz austera, o profeta Barreira remata: “Há quatro anos eu falo que daqui até 2030 o planeta vai ser invadido por um sol grande com muita água. É a natureza se vingando porque ninguém respeita mais Deus.”
Um Olhar Feminino
Dona Lourdinha Leite, profetisa da chuva.
“Na noite de 12 para 13 de dezembro (Dia de Santa Luzia), eu coloco as pedrinhas de sal na tabuinha. Uma pedra em cada mês. Na manhã seguinte, se as pedras estiverem se desmanchando, molhando tudo, vai ter um bom inverno. Se desmanchar umas pedras e outras não, é inverno irregular”, explica Dona Lourdinha Leite meticulosamente sua experiência.
Maria de Lourdes Leite Lemos, 86 anos, nos recebeu em sua casa no município de Quixadá, com sorriso no rosto e com uma vitalidade de invejar qualquer um. Dona Lourdinha começou cedo a se interessar pelas experiências do pai Chico Leite, reconhecido como Chico do Pote Seco. Os pais eram analfabetos e ela só estudou até o quinto ano do ensino fundamental. Mas, em condições adversas, chegou a ser professora numa escola no distrito de Cedro Velho. “Desde de pequena, eu queria ser professora, escritora e profeta da chuva”, pontua com uma expressão de felicidade no rosto.
Aos cinco anos, Dona Lourdinha já se sentava ao lado do pai para aprender com ele. Nascida no Dia Mundial da Mulher, 8 de março, como ela gosta de enfatizar, ela é primogênita numa prole de 10 filhos e foi uma menina curiosa que aprendeu a ler porque se enfiava na carroça do pai, cujo trabalho era levar leite a Quixadá. Assim, a menina acabou frequentando o grupo escolar.
A paixão pelo saber transformou sua vida e a vida de muitos outros. Mas, segundo ela, o seu maior legado é ter a perspicácia para decifrar os sinais da natureza. A experiência que ela mais gosta, herança do pai, vem a ser a das pedras de sal. Na véspera do dia consagrado a Santa Luzia (12 de dezembro) desenha seis retângulos numa tábua de madeira ou papelão. Cada retângulo representa um mês do ano seguinte, de janeiro a junho, e sobre cada um deles é colocada uma pedrinha de sal. Essa plataforma é posta na cumeeira de uma casa. Na manhã do dia 13, ela faz a leitura da “profecia” para o ano que ainda vai vingar.
Profecias e Descrenças
“Papai dizia que a gente não pede chuva, pede bom tempo”, relembra os relatos do Chico Leite, seu pai. Mas, antes de colocar as pedras no tabuleiro, Dona Lourdinha faz uma oração, mas não revela os seus dizeres. Diz que só pode repassar o ensinamento para outra pessoa iniciada. “Não posso dizer pra qualquer um. Quebra a força se contar”.
Hoje viúva, a rainha dos profetas (como ela própria gosta de anunciar) foi casada por 36 anos e teve seis filhos. O marido não acreditava muito no que ela dizia, porém certa vez, segundo ela, o seu esposo ficou cismado com o que previu. “Eu disse para ele não plantar nas vazantes do rio Banabuiú e ele plantou. Homem nunca acredita em mulher, né? Choveu tanto que os legumes foram embora. Fiquei com pena dos legumes, mas dele não. Meu marido não mais desacreditou em mim”, recordando e dando boas risadas. Consciente de seus dons, não se intimida com os meteorologistas e conta que os técnicos da FUNCEME batem na sua porta para pedir seus relatos.
Entre risos, histórias e saudade, sua voz se entristece ao falar de seu filho Júlio Lemos, morto prematuramente. Lemos tinha os dons da observação da natureza e estava seguindo os passos da mãe. Ele era o seu sucessor nato, mas, hoje, Dona Lourdinha diz ter uma neta que ainda não se decidiu. Religiosa, ela se conforma resignada: “Deus está sendo usado como qualquer mercadoria, mas Ele é o maior”. E, voltando às recordações do pai Chico, completa: “meu pai dizia que nos finais dos tempos, as nossas observações não iam valer de nada porque o homem quer saber mais do que Deus”.
A tradição das profecias seguidas pelas mulheres, quase não existe numa sociedade de protagonismo masculino, além de Dona Lourdinha, só tem outra mulher moradora da região, que a Discover Magazine não conseguiu falar pessoalmente. Sabe-se que a moça nascida em 1980, mãe de três filhos e formada em administração escolar, é possivelmente herdeira da etnia cigana, também muito presente na região do Quixadá. Ela já se apresentou no Encontro Popular dos Profetas da Chuva.
Parcerias Com Cientistas e Autoridades Locais
Os conhecimentos dos Profetas da Chuva têm chamado a atenção de cientistas e autoridades locais que buscam compreender melhor as nuances dos padrões climáticos na região. A colaboração entre a ciência moderna e a sabedoria tradicional tem levado a avanços significativos na previsão de chuvas e na implementação de práticas agrícolas mais sustentáveis.
Em entrevista para DISCOVER, a secretária do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Estado do Ceará, Vilma Freire, ressaltou: “É cada vez mais urgente o desenvolvimento de pesquisas na busca de soluções voltadas para a mitigação e a adaptação às mudanças do clima.”
DISCOVER Magazine – A questão das mudanças climáticas tornou-se bem sensível no contexto nacional e mundial. Quais são as políticas que estão sendo pensadas, estruturadas a nível do Estado do Ceará?
Vilma Freire: O Ceará já possui a Lei no 16.146/16 que institui a Política Estadual Sobre Mudanças Climáticas (PEMC), o Decreto no 29.272/085, que cria o Fórum Cearense de Mudanças Climáticas e de biodiversidade (alterado pelo Decreto no 32.161/2017) e o Decreto no 34.283 de 2021, que estabelece a adesão do Ceará ao Race to Zero e ao Under2 Coalition. Essas legislações criam um ambiente legal propício à agenda climática, que devem ainda ser completadas por políticas públicas que permitam ao Estado se adequar aos principais instrumentos e práticas internacionais e nacionais. Por isso, a Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (SEMA) priorizará os seguintes produtos: Roadmap sobre Mercado de Carbono, que é um relatório estratégico cujo principal objetivo é facilitar a participação do Estado do Ceará nos instrumentos de mercado de carbono visando colaborar com o compromisso estadual de atingir emissões líquidas zero (Net Zero) até 2050. Já Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária com Vistas ao Desenvolvimento Sustentável (PLANO ABC+) trata-se de uma agenda estratégica proposta pelo governo brasileiro para continuação de sua política para o enfrentamento das mudanças do clima pelo setor agropecuário, para o período de 2020 a 2030 (Portaria MAPA No 471, de 10 de agosto de 2022). Agora a Política Estadual de Pagamento por serviços ambientais e ecossistêmicos do Ceará (PSA), disciplinado pela Lei no. 14.119/2021, é uma ferramenta de incentivos e compensações em que transferências monetárias ou pagamentos em espécie são realizados ao possuidor/usuário ou proprietário de ecossistemas que forneçam Serviços Ambientais. Tais serviços são realizados com a finalidade última de incentivar a conservação e a recuperação dos recursos naturais.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil e Vilma Freire, secretaria do meio ambiente e mudança do clima do estado do Ceará.
DM: Então, qual é o papel efetivo de uma secretaria de Estado para a atuação direta de evitar o agravamento das alterações climáticas?
VF: A troca de nome da SEMA – de Secretaria do Meio Ambiente para Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima – reflete o protagonismo do governo do Ceará em relação à agenda climática dos estados brasileiros. O governador Elmano de Freitas entende como fundamental o papel dos governos estaduais para implementar uma agenda – com políticas inovadoras e ações eficientes – em direção à uma economia de baixo carbono, colocando o Ceará em sintonia com a nova política ambiental do governo Lula e da ministra Marina Silva. É cada vez mais urgente o desenvolvimento de pesquisas na busca de soluções voltadas para a mitigação e a adaptação às mudanças do clima, que tragam segurança para as populações afetadas pelos efeitos negativos destas mudanças, assim como possibilitem oportunidades econômicas visando alcançar novos padrões de investimentos verdes, os quais tendem a se intensificar na gestão do Governo Lula.
DM: Qual a importância das criações das Unidades de Conservação Ambiental? Quantas estão em funcionamento e quais estão pensadas para se tornar uma área de proteção ambiental?
VF: A SEMA é responsável hoje por administrar 39 Unidades de Conservação estaduais e um Corredor Ecológico. A gestão Camilo Santana, hoje ministro de Educação do governo Lula, recebeu 24 UCs e a gestão atual deve chegar ao final de 2023 com pelo menos 42 UCs. Dentre as novas UCs, a 4ª maior unidade de conservação em áreas urbanas da América Latina, o Parque Estadual do Cocó, com 1,581ha, foi criada em 2017. É preciso salientar que, no início do governo Camilo Santana, nenhuma unidade de conservação – mesmo as que haviam sido criadas anteriormente – tinha plano de manejo. Hoje, várias UCs já possuem seus planos. Além de permitir a sobrevivência da diversidade de animais e plantas, essas áreas contribuem para a oferta de serviços ecossistêmicos tais como: regulação do clima, ciclagem de nutrientes, disponibilização de água para abastecimento humano, além proporcionar qualidade de vida às populações, dentre outros.
DM: Qual é a importância de uma ‘lei de proteção estadual dos manguezais’ de autoria do Deputado Acrísio Sena, outorgada em 2020 pelo então governador Camilo Santana, em nível estadual e nacional?
VF: Segundo a Rede Nacional de Proteção aos Manguezais (Renaman Brasil), o Ceará foi o primeiro estado do País a aprovar uma lei que estabelece a programação semanal para promover a proteção ao mangue. A Semana Estadual de Proteção aos Manguezais, no Ceará, foi criada pela Lei Estadual nº 16.996, de 25 de setembro de 2019, uma co autoria do então deputado estadual Acrísio Sena, Associação EcoMuseu Natural do Mangue e população nativa da Sabiaguaba, com o objetivo de ampliar a divulgação e sensibilização para a importância desse ecossistema e sua preservação. A programação ocorre sempre em torno do dia 26 de julho, Dia Internacional de Proteção aos Manguezais. O Ceará conta com mais de 17 mil hectares de manguezais em 22 municípios. O manguezal é berçário de várias espécies e ecossistema considerado essencial na captação e retenção de carbono. Trata-se de um ecossistema costeiro de transição entre os ambientes terrestre e marinho, característico em regiões tropicais e subtropicais, sujeito ao regime das marés. Os manguezais são como os filtros do clima. A sua preservação é essencial para o controle climático de nosso Estado e, quiçá, do mundo.
Um Legado para o Futuro
À medida que o mundo enfrenta os desafios impostos pela mudança climática, os Profetas da Chuva de Quixadá se destacam como guardiões da natureza, oferecendo um exemplo de como a sabedoria tradicional pode complementar e enriquecer os métodos científicos modernos. O seu trabalho incansável não apenas traz esperança para a comunidade local, mas também oferece lições valiosas sobre a importância de preservar e honrar o conhecimento transmitido de geração em geração. Em um momento em que a adaptação às mudanças climáticas se torna essencial, o exemplo dos Profetas da Chuva de Quixadá é um farol de esperança, mostrando que a união entre a sabedoria ancestral e a ciência contemporânea pode ser a chave para um futuro mais sustentável e resiliente.
João Soares, empresário de Quixadá, e Helder Cortez, funcionário da Cagece. Ambos idealizadores do encontro dos profetas da chuva em Quixadá.
Esses homens e mulheres de Quixadá, do Ceará e do Brasil continuam a viver suas vidas de forma simplória, fazendo suas observações sem fama nem alarde. Mas, para referenciar a memória de cada profeta ou profetisa, em 2020, Helder dos Santos Cortez, justamente com Joao Soares e o secretário de Cultura de Quixadá, Clébio Viriato Ribeiro, criaram o Jardim dos Profetas no Instituto Federal do Ceará.
Cada homem e mulher, agricultor e agricultora, já falecidos, ganharam uma árvore plantada naquele jardim. São raízes do saber fincadas na terra que podem dar frutos e um legado de futuro para os sertanejos do Brasil e para a vida de todos nós numa ostensiva transição planetária. Os profetas de Quixadá são, essencialmente, os guardiões da natureza na luta contra as mudanças climáticas. Porque como diz o líder indígena, ambientalista, poeta e filósofo Ailton Krenak: “o futuro é ancestral”. Tem-se de aprender a ouvir as coisas vivas do mundo, a natureza.
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