Finlândia: Uma Imersão no País mais Feliz do Mundo
O desejo de ser feliz, desde a infância, aproximou a paulista Laura Petrolino do próprio destino
Por Andressa Missio | 25 de agosto de 2023
“Quando criança, sempre me perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Eu não tinha planos para uma carreira ou grandes ambições, e sempre respondia: Quero ser feliz.” Foi assim que Laura Petrolino, paulista de 29 anos, iniciou a própria descrição no vídeo (final da reportagem) que encurtaria o caminho para o desejo de infância.
Laura foi a única brasileira selecionada em um concurso cultural, que levou 14 pessoas para passar quatro dias em um resort de luxo na região dos lagos da Finlândia – com tudo pago. Longe de ser apenas uma viagem turística, o prêmio seria ensinar a fórmula da felicidade aos participantes. Mas por que uma imersão na Finlândia? A explicação é simples: o país ficou em primeiro lugar – pelo sexto ano consecutivo – no ranking dos mais felizes do mundo, no Relatório Global de Felicidade de 2023, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Conversei com Laura numa manhã de quinta-feira (horário de Brasília), por meio de uma chamada de vídeo. Seguindo o ritmo natural de uma entrevista jornalística no Brasil, lembro que uma das primeiras coisas que perguntei foi sua profissão.
“Me formei em Administração”, ela respondeu. No final deste artigo, você vai entender por que, mais tarde, iríamos rir juntas da pergunta.
A Ciência da Felicidade
Laura mora em Amsterdã, na Holanda, desde 2021. Mudou-se, portanto, em meio à pandemia da Covid-19, quando enxergou uma oportunidade oferecida pela matriz da empresa onde trabalhava em São Paulo. A dupla cidadania espanhola da família facilitou a imigração. “Sempre quis morar na Europa por ser mais fácil conhecer diversos países, já que é tudo muito perto. Ser jovem, não ter filhos e ter pais saudáveis também foram fatores que me ajudaram a decidir”, contou.
Foi também durante o período de isolamento que Laura descobriu a ‘Ciência da Felicidade’, no curso on-line The Science of Well-Being, da Universidade de Yale (curso gratuito que existe até hoje e já formou mais de 4 milhões de pessoas). Para se inscrever, aqui está o link: https://www.coursera.org/learn/the-science-of-well-being
“Enquanto muita gente passou a fazer yoga, ‘maratonar’ séries ou colecionar leituras de livros, eu decidi fazer o curso durante a pandemia. Por isso, quando surgiu o concurso da Finlândia, meus amigos logo lembraram de mim e me encaminharam o link para inscrição. Algo dizia dentro de mim que eu precisava aplicar.”, lembrou Laura.
Não só aplicou, como foi escolhida entre os mais de 150 mil inscritos. “Sempre fui otimista, sempre vi o copo meio cheio, sabe? No vídeo, procurei compartilhar minha essência, com imagens de momentos felizes. Deu certo!”
Afinal, o que é que a Finlândia tem?
A viagem ocorreu em junho, verão finlandês. Ainda assim, as temperaturas chegavam no máximo aos 20ºC. Todas as manhãs, o primeiro compromisso do grupo de alunos era um mergulho no lago de águas cristalinas – e geladas em frente ao resort. O banho frio não é lenda ou coisa pra impressionar turista: é realmente um costume da população local. Laura conta que, da janela do quarto onde estava hospedada, avistava os funcionários do hotel no mergulho matinal, todos os dias, cedinho. Para os finlandeses, a água fria (12 a 13ºC no verão) ajuda a despertar e a “reviver a alma”, como eles gostam de dizer.
Na sequência do primeiro dia, uma trilha na floresta. A caminhada de cinco quilômetros levou de duas a três horas, porque a ideia era desacelerar. Foi uma imersão de Mindfulness, em que a proposta era prestar atenção nos sons do ambiente, procurar dez tons diferentes de verde, sentir a grama com as mãos no chão, e consequentemente reduzir os batimentos cardíacos, relaxar.
É direito público e natural de toda pessoa passear pelas áreas verdes da Finlândia, bem como colher frutas e cogumelos para consumo da família. Tanto é que pouquíssimos parques são cercados. “Curioso é que eles não dizem ‘vou pra natureza’, porque também se consideram parte da natureza. Eles vão para a floresta”, explica Laura.
A relação com o meio ambiente é tão forte que quase todas as famílias possuem casas na floresta. A maioria dessas residências não tem água encanada, nem energia elétrica – muito menos internet. E assim, adultos e crianças passam o fim de semana afastados de tudo e de todos, cozinhando juntos o que encontram nas proximidades, sempre usando ingredientes frescos e saudáveis.
A turma de alunos foi apresentada a um professor que mora sozinho em um local assim. A vizinhança mais próxima fica a 100 km de distância. Ele faz o próprio fogo, não tem celular e come o que planta ou o que encontra na floresta – que é seu quintal. Na maior parte do tempo, trabalha exclusivamente para a própria sobrevivência, e assim, deixa a mente muito limpa e desenvolve habilidades manuais. O ermitão conclui que usar a inteligência para prover a si mesmo é gratificante. “Ali mesmo, no lago onde estávamos, pescamos o peixe da próxima refeição (só não comi o peixe porque sou vegetariana), preparamos a ceia, e todos jantamos juntos.”, conta Laura sobre o fim do primeiro dia.
Segundo Dia
Na Finlândia, é como se tudo fosse construído e adquirido pensando em combinar com tudo, num conceito de durabilidade, atemporal. O design nórdico é sustentável e responsável: utiliza preferencialmente madeira e outros materiais locais. Solução criativa que ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, quando o acesso aos insumos era muito limitado. Até hoje, as casas priorizam o minimalismo, bem como os tons branco e preto. Móveis funcionais, como as famosas cadeiras com design nórdico, viraram ícones mundiais.
O design e o artesanato finlandês foram o foco do segundo dia, quando o grupo conheceu uma fazenda de criação de ovelhas. A lã é utilizada na produção de bordados e tapetes, ou é vendida na vizinhança. Também ainda é muito comum o sistema de trocas e comércio local, para valorizar a região e minimizar o impacto ambiental. Sempre pensando no coletivo.
Muitos finlandeses têm um espaço que chamam de “workshop”, um lugar reservado para marcenaria e artesanato. Neste dia, Laura e os colegas bordaram um tapete, que puderam levar pra casa. À noite, jantaram em um restaurante onde todos os ingredientes do cardápio vinham ali de perto – no máximo, 50 km de distância.
*Outra curiosidade: os restaurantes não costumam ter cardápio fixo. Os pratos disponíveis dependem dos frutos e legumes da estação, ou do que foi colhido/pescado no dia, e por aí vai. A cultura de priorizar o regional é tão forte que grandes marcas de fast food até tentaram se instalar no país, mas viviam às moscas e acabaram fechando as portas.
Bem-estar, Saúde e Equilíbrio
“Ser feliz é uma prática”. Esse poderia ser o resumo das aulas no terceiro dia. A mudança traz desconforto, mas faz parte da vida encará-la. E entre as ferramentas mais poderosas, está a confiança – na família, amigos, vizinhos, no governo e também em si mesmo. Afinal, é você que deve se conhecer melhor, seus limites, quando dizer não para assumir a autorresponsabilidade’; 7 e tomar suas próprias decisões.
Há uma palavra que define muito bem a cultura finlandesa, e não há tradução para o português ou inglês. É o “sisu”, que pode ser compreendido como autoconfiança e força interior. Lindo!
Os finlandeses também defendem que a felicidade está em saber quando se tem o suficiente e valorizar/contentar-se com o que tem. Talvez por isso, o nível de consumismo não é considerado alto, já que a população não enxerga valor em comprar por comprar. É o contraste “ter o suficiente x querer mais”.
Por outro lado, é um povo que investe em qualidade de vida. As saunas, por exemplo, chegam a fazer parte da cultura finlandesa. Laura lembra que tinha uma sauna dentro do quarto no resort, e que há praticamente uma sauna para cada habitante na Finlândia. “Pra eles, fazer sauna é como ir a um bar no Brasil. É o momento de conversar com as pessoas, mas também de cuidar do corpo”, conta. “Muita gente, aliás, concilia os dois hábitos: banho gelado seguido de sauna”.
Por falar em costumes, “você não vai ver finlandeses furando fila, cortar alguém no trânsito”, diz a administradora. E para fortalecer o senso de justiça – de que todo mundo é igual a todo mundo – a multa de trânsito, por exemplo, é proporcional ao seu salário por lá. Também não há como ignorar que a Finlândia é um país rico, com pouca desigualdade, sem corrupção, e com um governo com o qual a população sabe que pode contar. Essa segurança e transparência contribuem – e muito – para o nível de felicidade da população.
Comida e Férias
No quarto dia, a aula foi com um chef famoso no país, que tem um programa de culinária na televisão. Seguindo o costume, o chef apostou em ingredientes frescos, ervas e frutas vermelhas colhidas na floresta por ele mesmo, respeitando os elementos da estação.
Laura também compreendeu que, por lá, carreira não define personalidade. Se no Brasil, costumamos conhecer as pessoas perguntando “o que você faz? Qual sua profissão? Na Finlândia o que se pergunta é: “o que você gosta de fazer? Qual seu hobby? Como é sua família, é casado(a), tem filhos?”
*NOTA: foi nesse momento que eu logo comentei: “pra você ver que eu não entendo nada dessa maneira de ver a vida: a primeira pergunta que te fiz foi sobre sua profissão! (rimos juntas, em alto e bom som).
A carreira fica tão em segundo plano que os finlandeses desfrutam de seis semanas de férias por ano e recebem um bônus quando retornam. É como uma gratificação ao profissional que não desiste da função, não faz transição de carreira, pelo contrário, volta ao trabalho.
E a Tal felicidade?
Se não podemos contar com a confiança plena no governo, como buscar a felicidade naquilo que podemos efetivamente controlar? Aí entra o mérito do nosso comportamento. “O segredo não é um bicho de 7 cabeças!”, diz Laura.
Baseada em suas reflexões e aprendizados, ouso listar aqui alguns pontos para uma vida mais feliz:
- valorize o que você tem;
- esteja próximo de quem você ama;
- curta a natureza;
- cozinhe alimentos frescos;
- busque estar na floresta (ou numa praça, bosque, onde houver verde);
- leve a vida de forma mais calma, tente escapar da pressa;
- procure o mais simples: ser mais e ter menos;
- viva o senso de comunidade, de partilha;
- confie na sua intuição. Confie em você.
“Não há um segredo, e isso é até um pouco frustrante, porque a felicidade é simples”, resume Laura. Sendo assim, deixo a você o convite: que tal parar de complicar e ser feliz?
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