Santo Antônio: O Santo Português com Fama de Casamenteiro
Fé, devoção e folclore: a história de Santo Antônio, o santo casamenteiro das festas juninas brasileiras e portuguesas
Conheça as lendas que fazem de Santo Antônio, um dos santos mais celebrados nas festas juninas em Portugal e no Brasil.
Por Caio Quinderé | 15 de junho de 2023
É comum uma tradição se tornar tão popular ao ponto de influenciar comunidades de matizes culturais muitas vezes bastante distintas. Do ponto de vista etnográfico, os especialistas afirmam que uma tradição é a soma de um conjunto de costumes, comportamentos, memórias, crenças, lendas, práticas e leis. Segundo os estudiosos, esse caleidoscópio de elementos tão distintos passa a fazer parte da cultura de uma comunidade, passando de geração em geração. É o que observamos nos festejos juninos, cujas celebrações estão carregadas de signos e significados, além de ser uma apoteose de sentimentos profundos, inerentes a cada indivíduo e também presente no núcleo da família.
Extremamente populares em terras portuguesas e brasileiras, os dias dos santos juninos são celebrados com muito fervor. Santo Antônio (dia 13), São João (dia 24) e São Pedro (dia 29) são lembrados como padroeiros e fazem parte da vida religiosa comunitária de muitas vilas e cidades de Portugal e do Brasil.
Sem dúvida, Santo Antônio desfruta bastante devoção e fé, cercado de simpatias e folclore popular. Mas a sua maior fama é a de ser conhecido como sendo o Santo Casamenteiro. Um tipo de santo cuviteiro – aquela espécie de bom amigo que dá uma mãozinha na hora de unir corações e que muitas vezes pode acabar com até um ’empurrãozinho’ até o altar.
Um museu com a benção do santo
Em Lisboa, a capital portuguesa tem até um museu dedicado a Santo Antônio. Lá, o visitante o conhece melhor o santo pelas fotos, relatos de milagres, filmes etnográficos sobre celebrações em vários territórios do mundo e outras peças simbólicas da fé. Localizado no Largo de Santo António da Sé, próximo ao popular bairro de Alfama, o museu atrai turistas estrangeiros e devotos não somente de Portugal, mas de outros países. Eles enfrentam enormes filas todos os dias de junho, especialmente dia 13, aniversário da morte do santo.
Para a igreja católica, Santo Antonio, nascido em 15 de agosto em Lisboa, no século XIII, exprime o desprendimento e a humildade da ordem franciscana, inspirando as novenas de treze dias (13 noites de oração, de 1 a 13 de junho).
“Santo Antonio foi um homem admirável de seu tempo. Um estudioso da fé, um intelectual, um doutor da igreja que circulou por boa parte da Europa do século XIII, consolidando o papel humanista e humanitário da ordem franciscana. Isso prova como Frei Antônio foi um expressivo comunicador da palavra e agente da devoção a Cristo”, segundo afirmou o historiador brasileiro Napoleão Tavares, morador da cidade de Barbalha, no sul do estado do Ceará.
Explicando a fama do santo
Mas por que o santo é conhecido como o santo casamenteiro? E por que ele é homenageado nas festas juninas? Segundo especialistas, o documento que serviu para justificar a canonização pelo Papa Gregório IX, de Frei Antonio em 30 de maio de 1232, menos de um ano após sua morte, reunia os 53 milagres atribuídos à sua intercessão. No entanto, os milagres não estavam relacionados ao casamento. A maioria dos acontecimentos atribuídos aos milagres tinha relação com problemas de saúde, que iam da paralisia à surdez. Ainda entre os relatos milagrosos atribuídos ao santo tem a história de uma menina que morreu afogada e chegou a ressuscitar.
Para os hagiógrafos, aqueles que se dedicam à biografia dentro da hagiologia, que consiste em descrever a vida de um santo ou beato – existem três versões da história de vida do frade e seus feitos que justificam sua fama de santo matrimonial. A primeira versão afirma que, ainda em vida, Frei Antônio foi um grande opositor dos casamentos arranjados por interesses familiares, o que ele chamou de mercantilização do sacramento.
Amor sem preço
Os estudiosos também contam que o santo defendia que a união dos casais deve ser motivada pelo amor. A segunda versão, de cunho lendário, afirma que Santo Antônio recebeu certa vez doações recebidas pela Igreja para ajudar uma moça a conseguir o dinheiro necessário para seu dote. Finalmente, a terceira versão também diz respeito a uma jovem pobre que queria se casar. “Conta-se que um dos seus primeiros milagres foi feito na vida de uma jovem que não tinha dinheiro para casar. Ela rezou a Santo António e uma estátua dele deu-lhe um bilhete onde estava escrito que devia levar a mensagem ao comerciante da cidade, que lhe daria, em moedas de prata, o peso do papel”, disse o pesquisador e historiador Napoleão Tavares.
O nobre milagreiro
A imagem venerada de Santo Antônio, padroeiro dos pobres e casamenteiro, é reverenciada com devoção e alegria no Brasil e em Portugal durante as comemorações das festas juninas.
A história de Santo Antônio relata que ele foi de uma família rica e nobre de Lisboa. Fernando foi o seu nome de batismo. Ainda jovem, frequentou a escola em Coimbra e ingressou na Ordem de Santo Agostinho, onde foi ordenado sacerdote. Ingressou, então, na Ordem de São Francisco e, por sua humildade, ele assumiu o nome de Antônio em homenagem a Santo Antônio o Grande.
O jovem Antonio viajou para a Itália e conheceu pessoalmente São Francisco de Assis, que o autorizou a ensinar teologia aos frades franciscanos em Bolonha. A sua pregação foi destinada aos povos de vários lugares da Itália e do Sul da França.
De um continente a outro
Segundo historiadores, a tradição das festas juninas teve origem na Europa durante o século XIV. No Brasil, os costumes de homenagear os santos de junho foram trazidos pelos portugueses e readaptados com a inserção de valores dos negros e indígenas, como o boi-bumba, o uso da mandioca para a composição de pratos típicos, e algumas danças.
A tradição das fogueiras também foi trazida do continente europeu e representou o anúncio a Maria do nascimento de João Batista, filho de sua prima Isabel. Os fogos de artifício, por outro lado, representam para alguns o despertar de João, que era um evangelista da palavra de Deus. Em Portugal, o uso de bombas e foguetes serve para espantar os maus espíritos.
O calendário de festas dos santos
A festa em homenagem a Santo Antônio acontece no dia 13 de junho. Depois dele, São João ganhou uma festa dedicada a ele no dia 24 de junho, na data de aniversário do santo. Em muitas vilas e cidades de Portugal e do Brasil, essa festa católica é celebrada a partir da noite de 23 de junho com fogueiras, fogos-de-artifício e forró. Tudo regado a comidas e bebidas típicas: bolos, doces, licores, milho, canjica e quentão.
São Pedro, padroeiro dos pescadores, é o último a receber as homenagens, em 29 de junho, suposta data do aniversário de sua morte. As festas dos três santos ainda são muito populares no Nordeste brasileiro.
A tradicional Festa de Santo Antonio é festejada com grande fervor em Barbalha, no Ceará.
A festa de Barbalha: o Pau da Bandeira
Na cidade de Barbalha, no Sul do estado do Ceará, no Nordeste brasileiro, é realizada a Festa de Santo Antônio, padroeiro da cidade. É uma tradição que continua viva e forte, atravessando muitas gerações e – a cada ano, atrai um público cada vez maior. Segundo o historiador Napoleão Tavares, “todos de Barbalha, de todas as classes sociais, passam o tempo todo pensando nesta festa, programando alguma coisa para essa festa”.
Já o Monsenhor Eusébio Lima, ex-pároco do município, conta que sempre viu essa festa como um bem de raiz. “E o povo de Barbalha sempre celebrou com muita garra, devoção e desejo de homenagear e agradecer seu santo padroeiro”.
A origem da festa
Para Napoleão Torres, a festa (de Santo Antonio) é uma tradição e como toda tradição é difícil saber quando começou. “Eu atribuo essa comemoração ao Padre Ibiapina, quando aqui lecionou na região do Cariri cearense em 1860. Ele era um homem carismático, e o que ele dizia tinha força de lei. Ele (Padre Ibiapina) recomendava que a bandeira com a imagem do Santo Antônio fosse hasteada no adro da igreja matriz da cidade. Na época, a comunidade respeitou a lei dele e começou a retirar a madeira para fazer o mastro da bandeira, principalmente da mata nos sítios São Joaquim, Santa Rita e Flores”, afirmou.
Não se sabe ao certo, entre lendas e folclores populares, como a casca da madeira (pau da bandeira) começou a ser usada como chá pelas mulheres solteiras da cidade e visitantes. Reza a tradição que ao beber tal chá, poucos meses depois, a solteirona recebia a benção de encontrar o pretendente e logo subir ao altar juntos. Assim nasceu a fama do chá até hoje na tradicional Noite das Solteironas.
O ritual da festa
A tradicional missa de abertura da Festa de Santo Antonio ocorre na igreja matriz – que leva o nome do santo. Lá, acontece a bênção da bandeira no final da manhã do dia 13. Após a celebração, os “carregadores” (sempre homens) do pau da bandeira seguem para a mata e retornam com o cortejo, seguindo de diversos grupos folclóricos, repentistas e violeiros, vaqueiros e agricultores, comerciantes e pessoas do povo, devotos de regiões diferentes do Brasil. Assim, ao pôr-do-sol, o hasteamento ocorre depois do cortejo em que os “carregadores” levam o pau da bandeira pelas ruas da cidade até à igreja matriz de Santo Antônio.
Conforme a tradição popular, quem escreve na parte de trás da bandeira, enquanto a mesma está sendo confeccionada, garante um casamento. “Eu já ouvi vários casos de pessoas que vieram me procurar e me contaram que realmente conseguiram se casar após colocar sua assinatura na bandeira”, relatou Sandra Sobral, responsável pela confecção da bandeira.
“O nosso chá não só é considerado casamenteiro, mas também é ótimo para aqueles que desejam encontrar um paquera ou um ‘fica’. E para aqueles que querem renovar a paixão em seu casamento. Além disso, temos o ritual da essência do amor, que é um banho feito com o chá do ‘pau de Santo Antônio’. Quando você sai na rua após tomar o banho, já pode sentir o clima romântico”, conta Socorro Luna, solteira e promotora do chá de Santo Antônio.
O sagrado e o profano
No entanto, o ex-pároco acredita no poder do chá para curar doenças, mas não acredita que tenha efeito no casamento. Para ele, tudo isso “não passa de uma invenção popular que se espalhou”. O historiador Napoleão Torres acredita que atualmente há uma mistura entre o sagrado e o profano que está invadindo e contaminando a celebração ao santo, com muito excesso de álcool e drogas ilícitas, músicas de duplo sentido e uma mercantilização da fé. “Uma cidade com 60 mil habitantes, hoje em dia, em um único dia pode receber um contingente três vezes maior que a sua população. Isso está se tornando de certa forma semelhante à farra do boi em Santa Catarina e à corrida do boi em Pamplona, na Espanha”.
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