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Brasileira comanda federação de handbol do Canadá

Por Rosana Dias

Raquel Pedercini Marinho é uma brasileira de Minas Gerais que dirige a Federação Canadense de Handbol. Apaixonada por esportes, no curriculo de Raquel figuram a natação, o vôlei, o handebol, o atletismo, o squash e o badminton, para citar alguns exemplos. “Os esportes foram minha escola da vida. Foram os esportes que me ensinaram o que é superação, o que é frustração, o que é trabalho em equipe e o que é individual”, diz Raquel.

Atualmente, ela combina a atividade na Federação e a finalização de um doutorado na área de neurociências na Universidade de York. Ela também criou e dirige uma entidade em Minas Gerais, a Associação Mineira de Esportes Diferenciados e Cultura – AMEDEC, que tem como objetivo divulgar os esportes pouco conhecidos no Brasil.

Como presidente da Handball Canada, a meta de Raquel é tornar o esporte mais popular no Canadá, missão que os recentes jogos panamericanos ajudaram a divulgar mais a modalidade. Parte da inspiração vem da observação do desempenho do Brasil, medalha de ouro ,tanto no time masculino como no feminino.

Nesta entrevista ao Canada em Foco, Raquel conta sua trajetória e seus desafios.
 
1) Você poderia contar um pouco da sua trajetória? Onde nasceu, estudou e como chegou ao handbol e ao Canadá?

Nasci e cresci em Belo Horizonte, Minas Gerais. Estudei sempre em escola particular graças aos meus pais que sempre fizeram de tudo para que eu e meu irmão (1 ano e meio mais velho) pudéssemos ter sucesso na vida.
Diferente do meu irmão, que sempre foi um gênio, eu sempre fui mais malandra na escola. Meu objetivo na época de escola era me dedicar aos esportes. No início era natação; eu nadava e competia pelo Minas Tênis Clube. Uma lesão no ouvido me tirou das piscinas. Depois passou a ser o vôlei; mesma coisa eu treinava e competia pelo mesmo clube. Um “problema” de pouca altura me tirou das quadras. Então veio o handebol que eu comecei na escola e fui logo representar a seleção do Estado. Um problema no ombro me tirou das competições. Conheci então o badminton. Fundei a Federação Mineira da Modalidade e iniciei a jornada (tipo formiguinha…) de desenvolver a modalidade em Belo Horizonte e em MG. Mais tarde encerrei a carreira com um problema no abdôme.

Em meio a isso tudo me graduei em Educação Física pela UFMG, fiz uma Especialização em Cinesiologia na UFRGS, e um Mestrado em Ciência da Motricidade Humana da Universidade Castelo Branco do Rio de Janeiro. Importante: nessa época eu não era mais a “malandra da escola que só queria saber de esporte”, eu era a estudante responsável e interessada que queria sempre mais.

Fui professora universitária por mais de 10 anos em Belo Horizonte, coordenei curso de Educação Física em Faculdade, me dediquei em escrever e publicar artigos e livros, fui convidada para palestrar em congressos e eventos em geral, fui professora homenageada por alunos entre diversas outras coisas maravilhosas na minha carreira.

Mesmo com uma carreira de sucesso, o Brasil não me proporcionava uma coisa que era de suma importância para mim: segurança. Sem segurança eu tinha medo de sair para trabalhar, eu tinha medo de entrar na sala de aula pois sabia que meus alunos podiam estar armados (um deles matou um professor após eu ter me mudado para o Canadá), eu tinha medo de ser assaltada a todo instante, eu tinha medo de ser seguida, medo de tudo.

O Canadá veio como uma solução para o medo de continuar vivendo num país onde a guerra civil é velada e os moradores não percebem que ela acontecem pois já estão anestesiados a ela e acham que sair de casa com dinheiro separado para dar para o assaltante é algo normal.

2) E como foi sua vinda ao Canadá?

Ao chegar no Canadá, em 2010, minha primeira parada foi em Regina, capital de Saskatchewan. Frio de -47º. Depois do impacto de saber que frio não é aquela coisa de abrir o freezer da sua casa e colocar a cabeça lá dentro, comecei a correr atrás de emprego. Fui ao Saskatchewan Association of Coaches conversar com alguém que pudesse me instruir ao que fazer para entrar no mercado de trabalho. Tivemos uma ótima conversa e o então diretor executivo Mark Bracken enviou um email para a Federação de Handebol de Saskatchewan. Em menos de 24 horas o Diretor Técnico da Federação entrou em contato comigo para me contratar. Não queria nem conversar.

Foi assim que entrei para o Handebol Canadense, como treinadora das equipes Masculinas Adulta e Junior de Saskatchewan. Depois disso me mudei para Toronto e fui chamada para ser a treinadora das equipes Masculina e Feminina Adultas de Ontario.
No mesmo ano, fui convocada para ser da Comissão Técnica da Seleção Canadense Feminina adulta. Nesse ano fui também Team Manager de várias Seleções Canadenses em competições internacionais. A minha surpresa não parou por aí. Durante a AGM (Annual General Meetting) fui nomeada para assumir a Vice-Presidência e ficar responsável por toda a área de treinadores de Handebol do Canadá. Dois anos depois a minha surpresa foi maior ainda quando me nomearam para a Presidência da Federação Canadanse de Handebol. Ah … estamos em 2015 e eu comecei a treinar as equipes de Saskatchewan em 2010!

3) Considerando sua experiência na University de Regina, você pode ser considerada a atleta que trilhou uma carreira academica/profissional no mercado esportivo. Correto?

A minha história na Universidade de Regina é bem triste.
Vou contar para dizer apenas que o Canadá é maravilhoso mas pessoas com intenções ruins existem em qualquer lugar do mundo … inclusive no Canadá.
Eu entrei para o doutorado na University of Regina em 2010 – Kinesiology and Health Studies. Estava estudando sob a orientação direta de uma professora que sabe a área de estudos dela e que me aceitou como a primeira aluna de doutorado dela.

Em setembro de 2011, eu escrevi um artigo que foi publicado em um Congresso. Esse artigo tem 6 autores dos quais eu escrevi e ela contribui com algumas correções. Mas quando a gente trabalha em laboratório é assim mesmo, a gente publica com o nome de quem faz parte do laboratório (mesmo que a gente nem conheça as outras pessoas – como foi o caso desse artigo que eu publiquei).
Quando foi em dezembro de 2011, um segundo artigo foi publicado com os mesmos gráficos, mesmas tabelas, mesmo layout, tudo igual… e o meu nome não estava na lista de autores.
Depois de ponderar bastante em o que fazer, eu decidi procurar outro orientador e mudar minha pesquisa. Hoje eu estou terminando meu doutorado na York University e estou sendo muitíssimo bem orientada por uma profissional de alto gabarito e líder na área de neurociências, Dr. Lauren Sergio.
E, respondendo a sua pergunta: Sim, acho que pode-se considerar que eu trilhei minha carreira esportiva para uma acadêmica/profissional. Ainda hoje eu associo muito do meu aprendizado esportivo ao meu aprendizado acadêmico e vice-versa.

4) Qual sua relação com o handbol e outros esportes que você já tenha praticado?

Os esportes foram minha escola da vida. Foram os esportes que me ensinaram o que é superação, o que é frustração, o que é trabalho em equipe e o que é individual.
Foi o esporte que me ensinou que se não tem problema se não der certo agora, o que importa é não desistir.
Sou muito ligada a todas as modalidades esportivas que pratiquei, alto rendimento ou não, e a lista é grande: natação, vôlei, basquete, futebol, squash, karatê, handebol, pólo aquático, atletismo (100m e salto em distância), badminton, tênis, kabaddi, sepak takraw, esgrima.
Em função de ter me apaixonado tanto por esportes que no Brasil são pouco ou nada conhecidos, como é o caso do badminton, sepak takraw, kabaddi, esgrima, e outros tantos, eu criei a Associação Mineira de Esportes Diferenciados e Cultura, a AMEDEC.
A AMEDEC é uma Associação que não só tem o objetivo de divulgar a existência de modalidades desconhecidas no Brasil mas também de fazer as poucos conhecidas ficarem conhecidas. Por exemplo: o futebol americano no Brasil é conhecido como um esporte mas quase ninguém sabe como se joga. A mesma coisa acontece com o Ice Hockey ou com o Softball.
A AMEDEC se incumbe de 1) levar informação para os estudantes de Educação Física em faculdades para que eles se encarreguem de futuramente levar para dentro das escolas; 2) fazer um trabalho com os professores que estão dentro das escolas para que eles conheçam essas modalidades e criem estratégias de como trabalhar com essas modalidades diferencidas em suas aulas; e 3) proporcionar à crianças de comunidades carentes a oportunidade de ter acesso à conhecimento de modalidades esportivas que as interesse o suficiente para tirá-las das ruas
Eu criei a AMEDEC em 2002 e até hoje sou a presidente e daqui do Canadá coordeno as atividades que acontecem em Belo Horizonte.

5) Como aconteceu este contato até se tornar presidente da federação de handbol do Canadá? Foi um processo de quanto tempo e qual a meta da associação?

Meu primeiro contato com o handebol canadense foi em Março de 2010. Naquele mes, eu participei com a equipe de Saskatchewan do Campeonato Nacional de Handebol, em Edmonton/AB.
Em maio de 2011, durante o Campeonato Nacional de Handebol em Vancouver/BC, foi a primeira vez que eu participei da AGM (Annual General Meeting).
No ano seguinte eu estava responsável pela equipe de Ontário e, mais uma vez, durante o Campeonato Nacional de Handebol aconteceu a AGM em Montreal/QB. Foi nessa AGM de 2012 que o Presidente da Federação de Handebol de British Columbia, David Lee, sugeriu meu nome para a Vice-Presidência (responsável por treinadores) da Federação Canadense de Handebol.

Com o mandato de dois anos, em 2014, durante o Campeonato Nacional de Handebol realizado em Toronto, durante a AGM o Presidente da Federação de Handebol de Ontario, Nick Cuddemi, sugeriu meu nome para a Presidência.
Diferente da maioria das Federações Esportivas, na Federação Canadense de Handebol o mandato do corpo diretivo (Presidente, Vices-Presidentes e Tesoureiro) é de apenas dois anos.
Em 2016, a Presidência da Federação Canadense de Handebol estará mais uma vez aberta à eleição. O maior objetivo da Federação Canadense é fomentar o esporte pelo país. O meu maior objetivo à frente da Federação é fazer com que esse objetivo seja cumprido.

Atualmente o Handebol é um esporte pouco ou nada conhecido para o canadense. Infelizmente em algumas provícias canadenses o handebol não faz parte do currículo escolar e isso prejudica a disseminação do conhecimento. As Federações de cada província estão tentando se aproximar dos School Boards para tentar reverter essa situação mas o processo é mais demorado do que se imagina. Um outro problema que encontramos para continuar com o desenvolvimento do esporte no país é o pouco conhecimento da modalidade por parte das pessoas que deveriam ensinálo. Ou seja, mesmo que o School Board aceite inserir o handebol nas escolas, os professores que trabalham na escola não o conhecem o suficiente para ensiná-lo. E, por fim, o terceiro problema é, quando a criança sai da escola e quer continuar a praticar a modalidade ela encontra dificuldade de saber onde jogar. Os lugares onde é possível desenvolver o esporte são tão escassos e os profissionais com formação adequada são também tão poucos que a expansão acaba ficando limitada.

Todos esses problemas que encontramos aqui no Canadá hoje são problemas que o Brasil enfrentou há uns 20 anos. Isso me provoca sentimentos diversos. Alegria por saber que apesar da demora o Brasil superou essa fase com muito trabalho e esforço coletivo, e por isso é possível imaginar que aqui no Canadá nós também vamos passar por essa fase. Tristeza por saber que ainda estamos 20 anos atrás do Brasil, um país de terceiro mundo que nunca foi famoso por dar suporte ao esporte e/ou atletas…
Otimista, afinal já sabemos como o Brasil superou as adversidades. Pessimista já que mesmo vendo a luta do Brasil durante 20 anos até hoje o Canadá não superou os entraves…

6) Foi possivel ver nos jogos panamericanos que o handbol ainda é um jogo pouco conhecido no Canadá. Você concorda? O que tem sido feito para divulgar mais o esporte?

Antes dos Jogos Panamericanos eu te diria sem pestanejar que eu concordo. Entretanto, se considerarmos que, nos dias dos jogos das equipes canadenses, as arquibancadas estavam com mais de 75% de ocupação, e que em alguns jogos a arquibancada estava com lotação esgotada, eu tenho que dizer que o handebol fez sucesso nos jogos.
Os Jogos Panamericanos, mesmo não nos favorecendo por meio de mídia televisiva ou sequer com live streeming games, nos trouxe o que imaginamos que ia trazer: público.
O jogo é emocionante, o esporte é envolvente, é rápido, não há tempo perdido, e o mais importante, tem o que as pessoas gostam de ver: gols, muitos gols. Com tantos atrativos era a nossa expectativa ter arquibancadas cheias para a maior parte dos jogos.
Mas, voltando à realidade, no cenário nacional, o Handebol é um esporte pouco conhecido sim.
Cada Província que possui Federação faz a sua parte de acordo com o que lhe é possível fazer. Províncias como Alberta, Saskatchewan e Quebec, que possuem suporte financeiro do governo, têm menos problema para divulgar a modalidade e torná-la mais popular. Já as províncias de British Columbia, Manitoba, Ontário e New Brunswick lutam pela sobrevivêcia da modalidade sem nenhum suporte financeiro do governo.
De um modo geral cada Federação promove ligas de competição em diferentes categorias variando de escolares, juvenil, junior e adulto. Dessa maneira arrecadam algum dinheiro para se sustentar e conseguir também arrecadar um pouco pouco para investir na divulgação do esporte.
Esse modelo tem sido repetido sem alterações desde que eu cheguei ao Canadá e, sem suporte financeiro do governo ou do setor privado, é aparentemente o que vai continuar a figurar pelo Handebol do Canadá.

7) Como você avalia o desempenho das equipes femininas e masculinas de handball do Canadá nos jogos panamericanos?

Apesar da colocação que as equipes ficaram eu avalio positivamente. As equipes canadenses são bastante jovens e tirando uma partida (Canada x Brasil – feminino), todos os jogos foram bastante disputados e com boas participações dos nossos jogadores.
Além do mais, o que os nossos atletas tiveram que investir para participar nos Jogos Panamericanos mostra que ficar em 7º lugar é extremamente valioso. O investimento foi muito mais que o financeiro, que a termos de curiosidade ultrapassou facilmente os 20 mil dólares por atleta, os quais cada um deles teve que tirar do próprio bolso (ou correr atrás de uma forma de patrocínio). O investimento de tempo foi igualmente enorme. Atletas que se dedicaram por conta própria por 4 anos pela possibilidade de participar dos Jogos Panamericanos. Se dedicaram aos treinamentos físicos, práticos e inclusive teóricos. No último ano participaram de torneios de alto, médio e baixo calibre. Trocaram família por seleção por meses para poder defender o país. Um compromisso e uma dedicação maravilhosa de se ver.
Dizer que o resultado foi ruim porque não ganharam medalha? Acho que seria no mínimo cruel dizer algo do tipo. Afinal de contas nossas equipes enfrentaram seleções que se preparam para competições como os Jogos Panamericanos com suporte financeiro do governo de seus países, treinam juntas há anos e tem uma estrutura esportiva que permite as suas seleções atingirem um potencial máximo focado apenas em treinar. As preocupações em como pagar passagens, uniformes, pedir dispensa de escola, nada disso ocupa a mente dos jogadores de outros países. Por isso o nosso desempenho nas partidas foi muito bom.

8) O que você acha que é possível aprender com as equipes brasileiras campeãs do handbol nos jogos?

As equipes brasileiras tem algo que nenhuma outra equipe das Américas tem: comportamento profissional. Todos os atletas tanto da seleção masculina quanto da feminina se comportam como profissionais. Respeitam a tudo e a todos. Vieram aqui para jogar e cumprir com os objetivos traçados. Todos da delegação têm função específica e sabem o que fazer, como fazer e quando fazer. O mesmo se aplica para os atletas que sabem a hora que é para treinar, a hora que é para ficar na concentração, a hora que é para jogar e a hora que pode relaxar.
As outras equipes ainda têm que aprender esse profissionalismo de saber quem vai fazer o quê e quando. Aprender a respeitar as pessoas pelas funções que exercem e não exigir que façam o que elas querem porque usam um crachá que diz que “eu sou isso ou aquilo de sei lá onde”. Aprender a respeitar regras e regulamentos (até para que a torcida não se volte contra você num jogo decisivo!). Aprender a respeitar os voluntários (até para que os voluntários percam a vontade de voluntariar para você até o final da competição!).
Os atletas e comissão técnica canadense aproveitaram bastante a oportunidade de ter as equipes brasileiras aqui em Toronto para poder aprender um pouco desse profissionalismo, além da simpatia dos treinadores europeus Morten Soubak e Jordi Ribeira que se dispuseram a conversar com todos em qualquer momento de folga.
9) Qual sua meta pessoal e profissional para o futuro?

Eu tenho metas acadêmicas bem simples terminar o doutorado e continuar trabalhando na área acadêmica. Para o handebol minha meta é um pouco mais desafiadora: torná-lo autosustentável internamente, torná-lo mais popular no país e elevá-lo a um patamar competitivo internacionalmente e, quem sabe colocá-lo entre os 10 melhores do mundo.
Quando eu saí do Brasil eu tinha um grande objetivo que era SER FELIZ. Se eu conseguir mantendo esse estado de felicidade que eu tenho desde que cheguei no Canadá, memso com os tropeços da fase de adaptação e dos golpes da vida, que acontecem em qualquer lugar do mundo, eu estarei sempre atingindo a minha meta.

FOTO: Seleção Canadense de Handball Feminino Junior. Raquel Pedercini Marinho está na segunda fila (2a. da direita para esquerda).

 

Por Rosana Dias

Rosana é jornalista e Public Relations. Dias trabalhou em empresas como Embraer, FIAT Automóveis, Folha de Sao Paulo newspaper and Exame magazine. Mudou para o Canadá há 8 meses.

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